Enviado especial do Observador em Doha, no Qatar

A postura corporal e os olhares quando as perguntas para João Félix tinham Cristiano Ronaldo como tema funcionavam quase como um pré-anúncio daquilo que iria acontecer pouco depois quando fosse a sua vez. E não foi uma vez qualquer – pela dimensão das duas respostas iniciais do treinador, a habitual conferência antes do encontro dos quartos do Campeonato do Mundo com Marrocos ficou resumida a partir daí a mais três/quatro questões antes de encerrar por questões de tempo (o conjunto africano seguia-se pouco depois no mesmo auditório 1 do Main Media Centre localizado no Qatar National Convention Centre). Mas havia um motivo para isso, o mesmo que marcou o dia na véspera: a alegada ameaça de saída do capitão.

A resposta vinha preparada, não no sentido de ter estado a ser pensada e refletida no que teria de conteúdo mas porque era uma questão quase incontornável à margem da partida que poderá colocar Portugal apenas pela terceira vez na história numa meia-final do Campeonato do Mundo. Mas o selecionador foi mais além do que esse tema em si, deixando uma mensagem sobre tudo o que tem sido dito sobre Ronaldo.

“A conversa com o Ronaldo aconteceu, mal seria se não tivesse acontecido. Só dou a equipa hora e meia antes do jogo, escrevo no quadro quando chegamos ao estádio. Sempre fiz assim, à minha maneira. A conversa tinha de acontecer, não faço com todos os jogadores mas com ele era da mais elementar justiça. Alguém que é quem é, que demonstra o seu profissionalismo, o que representa para os portugueses e para a equipa, que é o capitão… Aconteceu no dia do jogo após o almoço. Antes não tive nada. A única conversa com o Ronaldo a explicar o porquê de não ir jogar. Só aí dei a conhecer, não era justo dizer só no quadro”, começou por dizer, contrariando a informação de que a dita conversa tinha sido na véspera.

“Não estou a contar contigo de início, acho que podes ser importante no jogo, a entrada na segunda parte podia resolver também o jogo. Não ficou satisfeito, não. Só com a Espanha tinha sido suplente, nos oficiais. O anormal era dizer ‘Ok, porreiro’. Ele não aceitou os pontos de forma simples. Nunca me disse que queria sair da Seleção. E mais: acho que é tempo de parar algumas coisas, está na moda apontar as coisas do Cristiano… O melhor exemplo foi ele no jogo, deu o grito na cabine, saiu para aquecimento, festejou os golos todos, no fim foi ele que chamou os colegas para agradecer e só foram puxar depois pelo facto de ter saído primeiro. Deixem o Ronaldo em paz, ele não merece por tudo o que fez pelo futebol português…”, referiu ainda Fernando Santos a esse propósito, antes de generalizar a questão e virar o foco para Marrocos.

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“Não acredito que alguém não queira o sucesso de Portugal, o que acho é que a questão do Cristiano, 90% das perguntas é sobre ele. Tem a ver com a dimensão dele. Agora, pegar só nas coisinhas pequenas quando há tanta coisa positiva… Como foi a preparação? Vi no dia a seguir vídeos com os meus analistas. Agora quase não treinamos, são 40 ou 45 minutos, depois é mandar para eles as coisas e dar um toque como fiz hoje em 20 minutos. Acredito que vamos estar mais tempo aqui e sem o ambiente que temos com estes 24 não estaríamos aqui de certeza”, adiantou ainda no final da conferência sobre o número 7.

“No dia em que tiver um jogador que não fica descontente por não jogar, não pode voltar à Seleção. Não está aqui a fazer nada. Isso é normal, os jogadores têm a ambição de jogar sempre. No meu tempo dizia-se azia, um treinador dizia que tínhamos de ir ao talho comer umas iscas para isso… A questão da equipa que ganha não mexe não é assim… Esta equipa tem semelhanças com a Suíça? Vai apresentar problemas diferente. Quatro jogos, duas vitórias e dois empates, única com sete golos, 4-1 em golos e foi um autogolo, muito bem organizada, grande capacidade e qualidade, jogadores de Chelsea, PSG, Bayern… Em ações defensiva jogam em 20 metros de campo, só quem não viu os jogos não percebe a sua capacidade. Eles reduzem muito o campo, o Amrabat está a ser uma das maiores revelações no Mundial, mas na parte ofensiva procura sempre sair. Mas não podemos ter receio deles e acredito que vamos passar”, salientou, antes de focar numa outra parte agora muito falada sobre a paixão marroquina e o apoio dos adeptos.

“A equipa de Marrocos se bem me lembro a dois minutos do final do Mundial de 2018 estava apurada para os oitavos, depois Portugal sofreu com o Irão e a Espanha marcou. As equipas de África mas desta zona têm a criatividade africana e a imprevisibilidade mas também têm uma cultura mais forte em termos de jogo coletivo, por influência de estarem fora no país. O Hakimi disse que não nasceu em Marrocos mas que jogava pelos avós e bisavós e isso nota-se pela forma apaixonada como jogam. Temos de ser assim, jogar por avós, bisavós e trisavós… É um público intenso, assobiam mas os nossos jogadores estão habituados a isso, há jogadores que todas as semanas são confrontados com estes momentos na Champions”, rematou.