Há dois anos, no dia em que anunciou em conferência de imprensa as acusações dos Estados Unidos contra Abu Agela Mas’ud Kheir Al-Marimi, o então procurador-geral americano, William P. Barr, também garantiu que o líbio, acusado de envolvimento no atentado de Lockerbie, não ia ficar impune.

“Nenhuma quantidade de tempo ou distância impedirá os Estados Unidos e os nossos parceiros escoceses de perseguirem a justiça neste caso”, disse o responsável pelo Departamento de Justiça da Administração Trump, 48 horas antes de abandonar o cargo e justamente no dia em que se assinalava o 32.º aniversário do atentado que fez explodir o voo 103 da Pan Am sobre a cidade escocesa de Lockerbie, a 21 de dezembro de 1988.

Todas as 259 pessoas a bordo do avião, que fazia a ligação entre Londres e Nova Iorque morreram, tal como outras 11 que, no solo, foram atingidas pelos destroços que se espalharam por mais de dois quilómetros quadrados.

Agora, numa altura em que o 21 de dezembro volta a aproximar-se, sabe-se que Abu Agela Mas’ud Kheir Al-Marimi, também conhecido simplesmente como Mas’ud, está finalmente sob custódia dos Estados Unidos. À Reuters, um porta-voz do Departamento da Justiça avançou que o líbio, ex-agente dos serviços secretos do país, durante o regime de Muammar Kadafi, deverá em breve ser presente a um tribunal federal em Washington.

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Suspeito de ter sido cúmplice no atentado ao voo da Pan Am em Lockerbie detido nos EUA

A justiça escocesa, que ao longo dos últimos 34 anos nunca deixou de colaborar com a americana, também já fez saber que “as famílias dos que morreram no atentado de Lockerbie foram informadas de que o suspeito está sob custódia dos EUA” e que “os procuradores e a polícia escoceses vão continuar “a prosseguir esta investigação, com o único objetivo de levar à justiça aqueles que agiram em conjunto com Al-Megrahi”.

Abdel Baset Ali al-Megrahi, também agente dos serviços secretos líbios, foi o único homem alguma vez condenado pelo atentado. Acusado pelos Estados Unidos e pela Escócia logo em 1991, só em abril de 1999 foi entregue às autoridades daqueles países pela Líbia, para ser julgado numa antiga base militar americana na Holanda por um tribunal escocês que o condenou em janeiro de 2001, aos 49 anos, por homicídio em massa a uma pena de prisão perpétua com pelo menos 27 anos de prisão efetiva. Isto para, pouco mais de oito anos depois, em agosto de 2009 e sob veementes protestos dos Estados Unidos, ter sido libertado e autorizado a regressar a Trípoli, por ter um cancro terminal — acabou por morrer aos 60 anos, cerca de três anos mais tarde.

Levou bomba numa mala Samsonite para Malta, onde ativou temporizador para 11 horas depois

Abu Agela Mas’ud Kheir Al-Marimi, cuja idade atual não foi revelada, terá confessado toda a sua participação no atentado justamente em 2012, o ano em que Megrahi morreu — e escassos meses depois de Muammar Kadafi ser assassinado, em outubro de 2011.

Num interrogatório feito pelos novos serviços secretos da Líbia, o ex-agente terá revelado como fabricou a bomba e como a terá transportado, numa mala Samsonite, até Malta, onde se terá encontrado com Megrahi e Lamen Khalifa Fhimah — que também foi julgado na Holanda, mas ilibado de todas as acusações. Terão sido eles, revelou também, quem terá levado a mala com a bomba de volta a Londres, já com o temporizador programado, para explodir 11 horas mais tarde.

Apesar de ter dito que não sabia onde é que a bomba ia ser usada, Mas’ud admitiu na altura que, horas depois de chegar a Tripoli, onde vivia, e de saber que tinha havido uma explosão num avião americano, soube imediatamente que a responsável tinha sido a sua “mala”.

De acordo com o Washington Post, que teve acesso aos documentos do FBI sobre o caso, logo no início da investigação havia a informação de que um tal de “Abu Agela Masud” poderia ter estado envolvido no atentado, mas o suspeito revelou-se impossível de localizar. Tudo mudou quando, em 2017, quase 30 anos depois, o FBI teve acesso à tradução, do árabe para o inglês, do interrogatório feito cinco anos antes pelos serviços secretos líbios.

No texto pode ler-se que o atentado terá sido encomendado pelo próprio Kadafi, com quem Mas’ud diz que chegou a encontrar-se mais tarde e que lhe terá “agradecido por cumprir um grande dever nacional contra os americanos”.

De acordo com o Departamento de Justiça dos EUA, citado em 2020 pela Reuters, Mas’ud terá trabalhado durante quase quatro décadas para os serviços secretos líbios.

Entre 1973 e 2011, terá, entre outras, assegurado a função de “perito técnico na construção de dispositivos explosivos”. Dois anos antes de ter estado envolvido no atentado de que viria a ser conhecido pelo nome da cidade sobre o qual aconteceu, terá participado no atentado bombista que matou dois funcionários americanos e um civil de nacionalidade turca na discoteca LaBelle, no lado ocidental de Berlim, na então RFA.

O que não foi explicado pelas autoridades americanas foi o processo que levou Mas’ud a ser detido pelas autoridades nacionais. Há dois anos, em dezembro de 2020, estava detido numa prisão na Líbia, alegadamente a cumprir pena por fabrico de bombas. Entretanto, no final de novembro, escreve a AP, a imprensa líbia revelou que o homem tinha sido raptado da sua casa, em Trípoli, por um grupo de homens armados.

A família de Abu Agila Mohammad Mas’ud Kheir Al-Marimi acusou entretanto o governo líbio de inação sobre o sequestro. O mesmo governo de que faz parte Najla Mangoush, a ministra das Relações Exteriores que, há um ano, quando questionada pela BBC sobre uma possível extradição do suspeito, respondeu sem reservas: “Nós, como governo, somos muito abertos em termos de colaboração neste assunto”.