O governo cabo-verdiano prestou homenagem ao legado de João Semedo Tavares, fundador da Academia do Johnson, situada no bairro do Zambujal, concelho da Amadora, e comprometeu-se a ajudar a “perpetuar os seus ensinamentos”.

O ministro das Comunidades de Cabo Verde já conhece os cantos à casa. Naquela que foi a sua terceira visita à associação fundada por João Semedo (mais conhecido como Johnson), Jorge Santos quis deixar “uma mensagem de solidariedade” e de reconhecimento pela abordagem que associa cultura, educação e desporto para promover a integração de jovens e crianças dos bairros multiculturais do Zambujal, da Boavista e da Cova da Moura, no distrito de Lisboa. Guiado por Leniete Santana, Jorge Santos volta a entrar no centro de estudos, que apoia crianças e jovens nos trabalhos escolares, mas também se abre à comunidade, oferecendo um espaço partilhado aos mais seniores.

Noutra sala, está quase pronto o estúdio de música que vai fazer “um rap diferente, da comunidade, sim, mas com uma mensagem de esperança”, explica Leniete. Na parede, a inscrição “A vida és tu que a fazes”, lema de Johnson, que morreu a 30 de novembro passado, aos 50 anos.

Johnson Semedo. O homem que regressou ao bairro que o viu falhar para poder ajudar os mais novos

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“O Johnson era um filósofo, era um homem de cultura, era um líder social”, que acreditava que “não bastam os protestos, é preciso fazer boas ações e sermos bons cidadãos”, destaca Jorge Santos. A uns metros, noutro dos espaços da Academia, esperam o ministro dezenas de crianças e jovens, brincando e jogando à bola no pátio, que dali a nada acolherá um espetáculo de dança em honra do visitante.

À comunidade ali reunida (incluindo a viúva e os filhos de Johnson), Jorge Santos diz que “agora não é tempo de lágrimas, mas de ação”. O ministro cabo-verdiano partilha como conheceu Johnson e logo se impressionou com a sua “irreverência”. O mentor da Academia “pensava fora da caixa e fazia com que as coisas acontecessem”, assinala. Jorge Santos leu a biografia que Johnson escreveu (“Estou tranquilo”, editado pela Alêtheia em 2014) e elogia as suas “ideias claras e avançadas” sobre integração.

“Ele dizia que na habitação social não basta construir a casa, é preciso criar as condições de habitabilidade, (…) ter espaço para os meninos brincarem, ter pátios, ter ruas, ter saneamento, ter beleza e ter boa integração”, aponta. “Não conseguiremos nunca ter sociedades multiculturais sem a integração das pessoas. É preciso trabalhar (…) estas crianças, que estão ávidas do saber”, considera, frisando que o governo de Cabo Verde quer “colaborar” com a Academia, enquanto “exemplo do que é um bom projeto de integração das comunidades”.

E tem já uma ideia concreta de colaboração: propôs à associação a elaboração conjunta de um documentário audiovisual que perpetue “os ensinamentos do Johnson” e demonstre “o produto” do seu trabalho, ouvindo as crianças, os pais das crianças, as instituições da Amadora e outros parceiros. O ministro das Comunidades acredita que as autoridades portuguesas também hão de associar-se a este “projeto singular”, que vai mostrar ao mundo o legado de Johnson.

Carlos Simões, o novo presidente da associação, indicado pelo próprio Johnson (que dizia dele ser o seu “irmão branco”), assegura que vão “dar continuidade ao projeto” da Academia e prosseguir com “a utopia” do seu fundador.

“Não conseguimos ser todos Johnson”, assume, falando numa “perda desafiante” e na necessidade de “reorganizar a Academia”, que tem, neste momento, “algumas dificuldades operacionais” na área do desporto — um dos principais veículos de integração das crianças e jovens que envolve –, quer em “apoio logístico”, quer em financiamento das “despesas enormes” com aluguer de espaços e de transportes. Por isso, visitas oficiais como a de hoje revelam também “um compromisso mais alargado” de “novas sinergias e novos apoios para o projeto da Academia”.

Inspirador para centenas de crianças e jovens, João Semedo Tavares ficou conhecido por assumir a sua passagem pela prisão e disso ter feito uma lição de vida. Nascido em São Tomé e Príncipe e criado no bairro da Cova da Moura, Johnson saiu de casa aos nove anos, idade com que começou a consumir droga, e passou a viver na rua. Aos 18 anos, foi condenado a dez anos de prisão. Quando saiu da cadeia, decidiu mudar de vida e empenhou-se em fazer a diferença na vida de jovens e crianças de bairros desfavorecidos do concelho da Amadora, criando a Academia do Johnson, em 2014.