Entre os 1.282 (ou serão 1.279?) golos de Pelé é muito difícil escolher os melhores. Dos seus muitos títulos, o bicampeão mundial de clubes pelo Santos e tricampeão Mundial pelo Brasil, considerado atleta do século XX, dá apenas uma pequena ajuda neste capítulo em que foi Rei. Elegeu como o seu melhor golo de sempre um que marcou em 1959 pelo Santos, no Campeonato Paulista, frente ao A.C. Juventus: foi a 2 de agosto, dez mil viram-no ao vivo. Foram os sortudos. Os outros podem apenas saber, imaginar, adivinhar e ler o que aconteceu. Ou ver as reconstituições: porque não há vídeos daquele momento genial.

Um golo de que ainda hoje se fala. Daqueles ‘chapéus’, os ‘chapéus’ de Pelé. O jogo já estava 3-0, ele já tinha marcado dois golos e nem estava sequer a jogar particularmente bem. Mas os adeptos chamavam pelo seu 10. E ele fez-lhes a vontade. Aos 36 minutos da segunda parte, recebeu a bola de Dorval (autor do outro golo da partida) vinda do lado direito e driblou um primeiro jogador. Depois, à entrada da área, livrou-se da marcação de Julinho fazendo passar bola sobre o defesa e indo apanhá-la mais à frente, quando já estava a chegar a Clóvis. Era só a primeira chapelada, porque seguir-se-iam mais duas. Clóvis foi a segunda vítima, a bola passou-lhe por cima, Pelé apanhou-a do lado de lá. E depois fez o mesmo ao guarda-redes: mal ficou frente a frente com Mão de Onça (é mesmo o nome, não é engano), picou a bola, esta voou fazendo um novo arco, enquanto o guardião só teve tempo de olhar para trás e ver Pelé, com absoluta tranquilidade, esperar a bola descer para, com uma cabeçada, segura e bem calculada, enviá-la para o fundo das redes. Como tinha chovido bastante de manhã e havia uma poça de água na pequena área, Mão de Onça, que ainda se atirou, caiu e ficou com a cara literalmente na lama.

O golo foi de tal forma espetacular que os jogadores do A.C. Juventus o foram cumprimentar. Depois chegaram os aplausos da claque adversária. E da do Santos. E de todos quantos estavam no estádio. Amigos e inimigos de pé, aplaudiram e gritaram o nome de Pelé por quase 10 minutos. Todos perceberam o que de extraordinário tinham presenciado. Algo que talvez nunca mais se repetisse. Um drible e três chapéus sem deixar a bola cair.

Pelé sempre lembrou a cena em que, depois de marcar esse golo, comemorou dando um soco no ar e gritou aos adversários: “Vaiem agora seus f.d.p.”. Foi assim também que nasceu o famoso “soco no ar”, marca registada de Pelé nas comemorações de seus 1.282 golos (ou 1.279 ?).

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Além deste seu supergolo, segue uma lista que forma o seu top 10. Pode ser esta. Podia ser outra. Podiam ser tantas.

1 O supergolo de 1959 com 3 chapéus

AC Juventus-Santos (2/8/1959)

Já está tudo escrito. Um drible, três chapéus sem a bola tocar no chão, e a cabeçada para o fundo da baliza. Não há vídeo, só simulações por computador e vídeo de um momento como nunca mais se viu. Do momento que terá definido a vida e, sobretudo, a carreira de Pelé. A história está contada com detalhe nos parágrafos iniciais.

2O golo de placa

Fluminense-Santos (5/3/1961)

O nome tem justificação. Mas vamos primeiro à descrição. Aos 41 minutos da primeira parte, o Fluminense vencia por 1-0, mas havia Pelé, claro. O avançado recebeu a bola no meio campo e driblou um, dois, três, quatro (ufa, mas é para continuar), cinco, seis e sete jogadores da equipa tricolor até chegar à área e fazer ainda o mais importante: marcar (Maradona driblou, mas foram só 5, e também marcou, mas foi com a mão). Os adeptos dos dois clubes, todo o Maracanã, aplaudiu-o de pé. Agora então a explicação para o nome: o golo, de tão bom, seria premiado. O prémio foi uma placa de bronze. Desde então, no Brasil (e não só), quando um jogador faz um golaço, muitos dizem que foi um golo de placa. E assim nasceu um nome que ainda se grita nos relatos. E aquele é ainda hoje considerado o melhor golo da história do Maracanã, do qual também só existem relatos e crónicas escritas. Para o prazer da vista, apenas reconstituições e simulações-vídeo recentes.

3 O aplauso de pé na Luz

Benfica-Santos (11/10/1962)

Para muitos historiadores, foi neste jogo que Pelé fez a sua melhor atuação com a camisola do Santos. Estávamos a 11 de outubro de 1962. Benfica e Santos entravam no relvado do Estádio da Luz para o segundo jogo da decisão da Taça Intercontinental, então Mundial de Clubes. No primeiro jogo, a 19 de setembro, no Maracanã, os brasileiros tinham ganho por 3-2. Como podiam os benfiquistas dar a volta? Só sem Pelé, pelos vistos. Porque logo aos 15 minutos, o rei marcou. E aos 25, voltou a marcar. Fez o seu terceiro aos 19 minutos da segunda parte, o quarto do Santos, porque Coutinho tinha também marcado entretanto, logo no regresso dos balneários. Os brasileiros ainda haveriam de fazer o 5-0, por Pepe, antes de deixar o Benfica marcar, primeiro por Eusébio, depois por Santana. E assim o Santos conseguia o seu primeiro título mundial, uma taça que ficaria para a história, que o colocava como o melhor clube do mundo, pelas obras de arte saídas dos pés de Pelé. Ah, e qual dos três golos que marcou foi o melhor? Dizem os entendidos que o segundo: Zito tocou para Pelé, que passou dois defesas e depois rematou: acabou o jogo aplaudido de pé nas bancadas da Luz.

4 O mais jovem Campeão do Mundo

Brasil-Suécia (29/6/1958)

O Brasil levou à Suécia uma das suas melhores equipas da história (é discutível, pronto, mas é o que dizem os livros de futebol). Garrincha, com as suas pernas tortas, trocava os olhos aos adversários, e foi lá que o talento e a força de Pelé se começou a notar. Edson era ainda um menino, tornar-se-ia aliás o mais jovem de sempre a marcar num Mundial e numa final. Foi também durante 24 anos o mais jovem de sempre a jogar numa fase final: tinha 17 anos, sete meses e 23 dias. Nos quartos de final fez o seu primeiro golo da prova, decisivo, para levar o Brasil às meias: o 1-0 frente ao País de Gales. Mas os brasileiros só começaram a jogar mesmo a sério a partir daí, nas meias-finais, frente à França. E claro, Pelé ‘apareceu’ de vez. Naqueles 5-2 aos galeses conseguiu o seu primeiro hat trick (é preciso dizer que fez o gosto ao pé nos três jogos a eliminar e depois na na final). Depois veio a final com os homens da casa. Uma final com sete golos. Dois foram dele. O mais bonito aquele em que recebeu a bola de um cruzamento, driblou dois suecos e chutou para o fundo das redes.

5 O golo no adeus de Garrincha

Brasil-Resto do Mundo (13/11/1973)

Um génio deu lugar a outro. Um  foi um mito o outro também. Ambos conviveram, jogaram juntos. Se agora podemos dizer que nos deram o privilégio de ver jogar Ronaldo e Messi, dois dos melhores de sempre, mas em clubes e por seleções diferentes, do final dos anos 50 ao início dos 70 os brasileiros tinham um Ronaldo e Messi a jogar juntos com a camisola do seu país. Se isto não é um conjugação dos astros da bola, então o que será? Os dois eram ídolos por representarem o jogador das ruas, pobre que se fez rico, mas nunca houve ou haverá unanimidade sobre qual deles foi o melhor. Mas naquele jogo em que o o rapaz das pernas tortas (tinha mesmo uma maior que a outra) se despediu dos relvados, deixou para o rapaz Edson a luz que continuou a iluminar o Brasil em campo. E Pelé honrou o legado. Fez outro dos seus golos de levantar um estádio: recebeu na entrada da área, driblou cinco defesas antes de rematar para golo quando viu o guarda-redes sair da baliza. Foram 155 mil os adeptos no Maracanã que ficaram em êxtase.

6 O golo mil

Santos-Vasco (19/11/1969)

Era uma quarta-feira de novembro desse ano de 69, o ano em que o homem pisou a Lua, o ano de Woodstock e o ano do adeus dos Beatles, que gravaram o seu último álbum. E nas contas oficiais, tão controversas, ficava também para a história o ano do milésimo golo de Pelé, já o rei do futebol, outra vez em pleno Maracanã, num jogo entre o Santos e o Vasco da Gama, o clube português do Brasil. Neste golo mil não houve fitas, dribles, chapéus. Foi simplesmente de penálti (ainda que estes também tenham a sua ciência). A contagem pela marca inédita era acompanhada em todo o mundo. Pelé tinha chegado aos 999 golos dias antes, frente ao Botafogo, tinha tentado os mil frente ao Bahia, fora de casa — mas, convenhamos, o cenário não era ideal e ele ficou em branco. Naquela noite, depois de ter chovido muito na véspera, foram quase 70 mil os adeptos que encheram as bancadas para poder assistir a mais um feito único. Não sairiam defraudados. Havia homenagens preparadas, polícia a postos para evitar uma invasão de campo se ele marcasse, televisões a transmitir tudo em direto (bem hajam). O Vasco marcou primeiro, até que aos 33 minutos Pelé foi albaroado na área por dois defesas (já sabiam que um só dificilmente o travava) e o árbitro apitou a falta para a marca de 11 metros. Os jogadores do Santos foram todos para o meio-campo enquanto o público gritava pelo rei: ele, sozinho com a bola e de frente para o guarda-redes, baixou-se, ajeitou as meias, olhou para trás, sorriu para os colegas perfilados a meio do relvado, deu três passos lentos, acelerou um pouco, fez uma paradinha e, num remate seco com o pé direito, rematou para o canto direito da baliza. O guarda-redes, Andrada, ainda voou e raspou na bola, mas não evitou o golo mil que Pelé não comemorou com o murro do costume, mas entrando em corrida até ao fundo nas redes para ir buscar a bola. Saiu de lá já aos ombros dos jornalistas, enquanto o estádio entoava o seu nome. Vestiu uma camisola com o número 1000. Fez a volta olímpica com ela seguido de uma pequena multidão e pediu ao governo que olhasse pelas crianças pobres do Brasil. No balneário ficou uma placa com o seu nome, houve homenagens da FIFA, da Federação Brasileira e da Federação Carioca. Até a Companhia Brasileira de Telégrafos lhe deu um painel com o selo comemorativo e o passista Bira, da Escola de Samba da Mangueira, lhe ofereceu um tamborim de prata. Para sambar na cara dos inimigos.

7 A cabeçada da final do Mundial do México

Brasil-Itália (21/6/1970)

Pode dizer-se, sem exageros, que no relvaldo, Pelé era exímio em quase tudo, dos dribles, aos remates. Mas de cabeça, ele era letal. Pela importância do jogo, este pode ser considerado o golo de cabeça mais icónico de Pelé e um dos grandes momentos da história do futebol. Estavam frente a frente duas seleções duas vezes campeãs mundiais (os italianos em 34 e 38, os brasileiros em 58 e 62), uma constelação de estrelas dos dois lados e falava-se do jogo do século. E disse, quem o viu e sobre ele escreveu, que o foi mesmo. O jogo dos lances soberbos, dos golos incríveis. Em que os italianos, que raramente sofrem golos, que sempre souberam evitá-los, foram goleados por 4-1 e deram o terceiro título mundial à canarinha. Claro que os brasileiros vinham motivados pela vitória frente ao Uruguai (3-1), no primeiro jogo entre as duas equipas deste a traumática final de 1950. Mas houve muito mais que isso. Aos 19 minutos da primeira parte, Rivelino cruzou da esquerda para a área, Burgnich foi recuando mas não viu que atrás dele estava precisamente Pelé que, com uma impulsão incrível, daquelas que agora elogiamos a Ronaldo, saltou uns 30 centímetros mais alto que o defesa italiano e cabeceou para o canto esquerdo da baliza de Albertino, para o primeiro golo do jogo. Não foi só um golo fabuloso do avançado. Foi também 0 100.º do Brasil em mundiais. O resto seria história (a Itália ainda faria o 1-1, mas depois só deu Brasil, e Pelé ainda faria o passe para o 3-1 e entraria na magnífica jogada do 4-1).

8 O único e inesquecível golo no bi do Brasil

Brasil-México (30/5/1962)

Antes do tri do Brasil houve o bi. A canarinha conseguiu fazer a dobradinha no Chile, em 62, mas nesse Mundial o rei foi Garrincha e não Pelé. Uma lesão atirou-o para fora da prova e deixou o outro ídolo do povo brasileiro da altura brilhar em grande. Ainda assim, o avançado não deixou de carimbar a sua passagem por este Campeonato do Mundo com um grande golo, na fase de grupos, no jogo frente ao México, que os brasileiros acabaram por ganhar por 2-0. Pelé marcou o segundo: recebeu na ponta esquerda e, num único toque, colocou a bola por debaixo das pernas de um defesa, trocou os olhos a outro, ganhou a bola dividida a um terceiro, driblou um quarto e, quando viu os dois centrais virem na sua direção dentro da área, já quase a cair, disparou uma bomba, rasteira, sem chances para Carvajal. Não deu hipóteses a seis. Meia dúzia. Foi o seu único golo neste Mundial, mas foi mais um golo único e inesquecível.

9 Aquela bicicleta pelo Cosmos

Cosmos-Miami Toros (10/8/1976)

Na época, a liga americana chamava-se North American Soccer League (NASL). Pelé fez muitos golos de bicicleta na carreira. Numa foto sua, das mais conhecidas, vê-se como ele faz o movimento perfeito para uma dessas suas bicicletas com a camisola do Santos. Mas foi um outro golo de bicicleta pelo Cosmos que correu mundo, que se tornou imortal nos jogos FIFA. A história desse jogo não interessa nada. O resultado também não (8-2 ao Miami Toros). Pelé explicou muita vez que escolheu o Cosmos por interesse próprio, para se promover como jogador-marca, para ajudar a promover o futebol nos Estados Unidos, e porque não queria jogar em nenhum outro grande clube que não o Santos. Mas vamos ao golo. Após um cruzamento da direita, Pelé fez então o seu golo mais bonito pela equipa norte-americana, a única que vestiu profissionalmente na carreira além da do Santos, naquele movimento suspenso no ar. Para a sua conta pessoal, foi o 1.255.

10 O golo que ele não marcou e seria o melhor de todos

Brasil-Checoslováquia (3/6/70)

Voltando ao Mundial do México de 70, ainda a Eslováquia e a República Checa eram um só país, Pelé podia ter feito provavelmente (isto das avaliações e dos gostos são sempre muito subjetivos) o seu melhor golo de sempre. Só que não fez. A bola raspou o poste direito da baliza, mas do lado de fora. Não entrou. O Brasil ganhou na mesma, goleou aliás, por 4-1, Pelé fez o primeiro desses quatro golos brasileiros, a canarinha seria campeã mundial. Mas aquele é que era. Aquele é que teria sido. Graças à tecnologia 360º, é possível ver hoje bem o golaço que não foi. Pelé está antes do meio-campo. A 60 metros da baliza checoslovaca. Remata dali, a uma velocidade que agora se sabe ser de 105 km/h. Todos ficam a ver bola ir e a quase entrar na baliza. Faltou o quase. Seria um golo de antologia.

Mas como esta é uma lista completamente subjetiva, ficam algumas outras, para vários gostos: