O Tribunal da Relação de Lisboa revogou mais uma decisão do juiz Ivo Rosa. Desta vez, está em causa uma decisão que o magistrado judicial tomou em março de 2022 nos autos do caso BES/GES — cuja titularidade entretanto perdeu por decisão do Conselho Superior da Magistratura tomada em setembro de 2022.

O assistente BES Em Liquidação tinha requerido a Ivo Rosa que decretasse os autos do caso também conhecido por Universo Espírito Santo como urgentes. Porquê? Porque os autos já contêm risco de prescrição nos crimes de menor moldura penal (falsificação de documento e infidelidade). Contudo, o juiz rejeitou esse pedido em abril de 2022.

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O Ministério Público (MP) não se conformou e, com o apoio do assistente, recorreu para a Relação de Lisboa. Num acórdão da 9.ª Secção, que teve a desembargadora Maria Carlos do Vale Calheiros como relatora e ao qual o Observador teve acesso, o MP ganhou em toda a linha.

A Justiça deve “evitar o arrastamento temporal dos processos penais”

Um dos pontos centrais da decisão da Relação de Lisboa prende-se com o risco de prescrição dos crimes de infidelidade e de falsificação de documento. Os desembargadores da 9.ª Secção valorizaram o argumento apresentado pelo MP, segundo o qual foi o próprio Ivo Rosa a reconhecer que existia esse risco.

“A prescrição do procedimento criminal [daqueles crimes] ocorrerá entre 7 de agosto de 2024 e 28 de março de 2015″, como o próprio juiz já tinha reconhecido, lê-se no acórdão da Relação de Lisboa.

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“Este limite temporal não se encontra assim tão distante, se considerarmos a dimensão dos autos de instrução e, caso o desfecho destes seja a pronúncia total ou parcial, da posterior face processual de julgamento”, escreve ainda a relatora Maria Carlos do Vale Calheiros.

Por isso mesmo, a Relação de Lisboa entende que “o instituto da prescrição (…) reclama” do sistema da administração da justiça “toda a diligência no sentido de evitar o arrastamento temporal dos processos penais e o consequente descrédito da justiça.” A Relação faz questão de recordar que o inquérito iniciou em agosto de 2014, a acusação foi deduzida a 14 de julho de 2020 e os autos fora distribuídos a Ivo Rosa a 28 de outubro de 2021 para ser iniciada a fase de instrução criminal.

O “maior processo da história” que não era urgente e as vítimas

Mais: segundo a Relação de Lisboa, o juiz Ivo Rosa “consignou nestes autos a impossibilidade do cumprimento do prazo legal previsto para a instrução por esses motivos”.

Logo, no entender dos desembargadores, “resulta evidente a elevadíssima complexidade dos autos de instrução em causa, bem como a indesmentível dimensão dos mesmos e a sua previsível duração ao longo de um período temporal alargado”.

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Os procuradores titulares da investigação alegaram ainda que, caso tivesse declarado os autos do GES como urgentes, estes passariam a ter prioridade face a outros que tinha em mãos — nomeadamente, a Operação O Negativo. O que se justificaria porque foi o próprio Ivo Rosa quem classificou os autos do GES como o “maior da história judiciária portuguesa”, lê-se no acórdão da Relação de Lisboa.

Acresce a tudo isto que, segundo o estatuto de vítimas que o Tribunal Central de Instrução Criminal reconheceu a vários lesados do GES, tinham “direito a uma decisão relativa a indemnização por parte do atente do crime, dentro de um prazo razoável” — um argumento que também foi acolhido na Relação.

É por tudo isto que a Relação de Lisboa chega a uma “conclusão diversa” da de Ivo Rosa, entendendo que existem vantagens de que “os actos processuais de instrução (e até o debate instrutório), decorram durante o período de férias judiciais ou fora dos dias úteis”, logo declarou como provido o recurso do MP.

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Recorde-se que o novo juiz titular da fase de instrução criminal do caso BES/GES chama-se Pedro Santos Correia. Ainda durante o tempo em que o juiz Ivo Rosa liderava esta fase, o Conselho Superior da Magistratura fixou a data de fevereiro de 2023 como limite para que fosse tomada uma decisão instrutória.

Contudo, e tal com o Observador noticiou, o órgão de gestão dos juízes admite flexibilizar o prazo, caso o juiz Pedro Santos Correia assim o solicite de forma fundamentada. A decisão pode vir a ser fundamentada com o  facto de o novo titular apenas ter ‘pegado’ nos autos em setembro de 2022.