Organizações não-governamentais internacionais alertaram este domingo para os impactos na saúde dos portugueses, especialmente nas crianças, de cozinhar com gás, por os fogões violarem frequentemente as normas de poluição atmosférica.

Num relatório com o título “Expondo os impactos desconhecidos na saúde de cozinhar com gás”, as organizações dizem que os fogões a gás violam várias vezes por semana as normas de poluição atmosférica da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da União Europeia (UE), e que essa poluição é responsável por quase 10 mil casos de asma entre crianças portuguesas.

Segundo os dados divulgados no relatório, os números de crianças com asma devido ao gás de cozinha é ainda assim muito menor (percentualmente), do que em países como Espanha, França ou Itália, que têm uma muito maior percentagem de famílias a cozinhar com gás.

Os autores do documento acusam a UE de não estar a usar os poderes legais existentes para proibir os fogões a gás ou pelo menos avisar os consumidores sobre os riscos para a saúde, com rótulos nesse sentido.

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Da autoria da CLASP, uma organização internacional, que promove a eficiência energética desde 1999, e da Aliança Europeia de Saúde Pública (EPHA), uma aliança de quase uma centena de organizações europeias, o relatório especifica que cozinhar a gás numa cozinha típica dos países do sul da Europa, sem ventilação mecânica, causa poluição por dióxido de azoto (NO2) no interior das casas numa proporção que excede várias vezes por semana as diretrizes da qualidade do ar da OMS e as normas de poluição atmosférica da UE.

Testes feitos pela TNO, uma organização dos Países Baixos para a Investigação Científica Aplicada, que contribuiu para o estudo, mostraram que os fogões a gás produzem também monóxido de carbono, partículas, e outros poluentes que podem causar efeitos graves na saúde, especialmente de crianças.

“O número de crianças em Portugal com sintomas de asma que ocorreu nos últimos 12 meses devido à cozinha a gás está estimado em quase 10.000, enquanto 12% dos casos de asma infantil na UE são devidos à cozinha a gás”, indica um comunicado sobre o relatório de hoje.

De acordo com o documento, 144 milhões de cidadãos da UE (35%) estão expostos regularmente à poluição causada pelo gás de cozinha, incluindo 10% dos lares portugueses e mais de metade de todos os lares em Itália, Países Baixos, Roménia e Hungria. Os responsáveis dizem recear que a situação se agrave neste inverno, devido à crise energética, já que muitas pessoas deverão reduzir a ventilação das casas para não as arrefecer e poupar dinheiro no aquecimento.

“Receamos que a qualidade do ar interior possa ficar especialmente má este inverno nas casas utilizando fogões a gás, uma vez que as pessoas reduzem a ventilação e evitam abrir janelas para poupar calor e dinheiro durante a crise energética. Com menos trocas de ar com o exterior, é cada vez mais importante combater as fontes de poluição do ar no interior, tais como fogões a gás”, afirma citada no documento a diretora-geral da EPHA, Milka Sokolovic.

O estudo, a que a Lusa teve acesso, alerta que todos os aparelhos de cozinha a gás libertam poluentes prejudiciais para a saúde, algo que a generalidade das pessoas desconhece, e citando a Agência Europeia do Ambiente diz que mais de 700.000 crianças na UE sofreram de sintomas de asma no último ano devido ao impacto de cozinhar com gás. A poluição também afeta os adultos, nomeadamente impactos ao nível do sistema nervoso e do sistema respiratório, conclui o estudo, que alerta ainda que o gás não é nem natural nem limpo.

As organizações calculam que a poluição no interior das cozinhas tenha anualmente custos de cerca de 3,5 mil milhões de euros, em saúde e ganhos perdidos e produtividade. E salientam que há alternativas elétricas com custos similares ou inferiores, e que a cozinha a gás compromete os objetivos da UE de neutralidade carbónica em 2050.

Os autores do estudo concluem ainda que o hidrogénio verde (produzido a partir de energia renovável) não é alternativa para substituir o gás, porque a mudança de canalização exigiria tempo e investimentos significativos, que os fogões deveriam de ter de ser adaptados ou substituídos, e dizem que a mistura de hidrogénio com gás pode mesmo aumentar os níveis poluentes.

Christine Egan, presidente da CLASP, afirma, citada no estudo, que “as pessoas passam a maior parte do tempo dentro de casa. A qualidade do ar no interior pode ter um grande impacto na saúde e bem-estar”, acrescentando que os aparelhos de cozinha devem ter avisos sobre a saúde, como hoje têm os cigarros.

“A política da UE não protege as pessoas contra os perigos da cozinha a gás”, alertam os autores do relatório, que recomendam à Comissão Europeia a adoção de medidas que protejam os agregados familiares, estabelecendo limites poluentes, e que comunique através de Rótulo Energético os perigos da cozinha a gás.

Os governos dos Estados devem incentivar a transição para a cozinha elétrica, e os profissionais de saúde devem aumentar a consciência pública sobre a ligação entre o gás, a cozinha e a saúde, e as famílias devem fazer a transição do gás para a eletricidade e comprometer-se com “uma ventilação adequada”, sugere o relatório.