A Associação dos Arqueólogos Portugueses (AAP) declara “a sua perplexidade pela pressa com que parece querer ser feita agora” a transferência das competências das Direções Regionais de Cultura (DRC) para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR).

A AAP defende “a constituição de departamentos próprios para o património cultural e as artes vivas” e afirma que a transferência, efetuada em dezembro passado, das competências das DRC, então extintas, para as CCDR, “requer sobretudo [uma] ampla participação dos cidadãos em geral e nomeadamente do movimento associativo que os representa”.

“Nos termos do edifício jurídico-constitucional que nos rege, a começar pela Lei de Bases do Património Cultural Português, as revisões orgânicas anunciadas deveriam por isso contar com a sua audição prévia e os seus contributos”, manifestando a Associação “o seu interesse e disponibilidade”, no comunicado divulgado.

Os arqueólogos recordam que o processo de “descentralização” tinha já sido abordado em 2017, “quando pela última vez se discutiu com alguma profundidade esta matéria”, tendo na ocasião reclamado que “era necessário pensar primeiro, fazer depois”, e questionando agora se seria “pedir muito [querer] transparência”, tendo ainda promovido uma sessão pública sobre “O Património Cultural e a Descentralização”.

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Recorda a AAP que, na ocasião, apresentou uma posição formal conjunta com as secções portguesas do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS-Portugal) e do Conselho Internacional dos Museus (ICOM-Portugal).

“Desde 2017 não voltou a existir debate público consistente desta matéria”, salienta a AAP, argumentando que “o que está em causa requer a maior ponderação de todas as entidades públicas envolvidas”.

No processo em curso, a AAP considera que se impõe ao nível das CCDR “a constituição de departamentos próprios para o património cultural e as artes vivas”.

“Neste âmbito”, segundo a associação, é necessária “a criação de pelo menos uma direção de serviços do património cultural e de divisões correspondentes aos seus três domínios principais: arquitetura, arqueologia e museus; o preenchimento dos lugares de chefia por especialistas nas respetivas áreas e reforço dos quadros técnicos, garantindo em absoluto a sua liberdade de informação e despacho; a reformulação dos respetivos conselhos regionais, de modo a criar neles secções constituídas com maioria de membros independentes e tecnicamente habilitados em cada uma das áreas do património cultural, membros indicados pelas universidades, centros de investigação e movimento associativo”.

Mas este processo implica também, no entender da AAP, alterações na esfera de atuação da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), nomeadamente, “o abandono da maior parte das atribuições formais supostamente herdadas das extintas DRC, para que a presente reforma não se traduza em muito maior centralização administrativa, fatalmente inoperacional e por isso contraproducente; a criação de equipas móveis nos domínios disciplinares acima indicados; o reforço da relação com as comunidades (cientificas e associativas) de cada setor, reformulando nomeadamente a composição das secções relevantes do Conselho Nacional de Cultura, ou transferindo deste competências para um conselho consultivo da própria DGPC.

A AAP defende que é “crucial que a reforma em curso seja acompanhada por um reforço dos mecanismos que assegurem maior transparência. Neste sentido, todas as decisões das CCDR referentes a bens patrimoniais devem poder ser escrutináveis com total acesso aos processos administrativos”.

“Devem também ser suscetíveis de recurso para a DGPC (e desta para o Governo) por parte de quaisquer partes legitimamente interessadas e nomeadamente pelo movimento associativo, nos termos da Lei do Património Cultural e da Lei de Ação Popular”, acrescentam os arqueólogos portugueses.

Também o Sindicato dos Trabalhadores de Arqueologia (STArq), em novembro passado, demonstrava a sua preocupação sobre este processo de transferência, então anunciado.

Em comunicado enviado à agência Lusa, o STArq afirmava que a “transferência de atribuições das Direções Regionais de Cultura para as CCDR [guardava} diversos problemas”.

Para o sindicato este processo de transferência de competências “aponta para o que julgamos ser uma falsa descentralização, já que as CCDR não reportam a qualquer entidade com membros eleitos diretamente pelos cidadãos no âmbito regional”.

“Deste modo, falham em aproximar o Estado e o cidadão”, salientava o STArq, acrescentando que, “por outro lado, passam atribuições de uma entidade especializada a uma outra de natureza diversa e mais abrangente”.

Os sindicalistas referiram que “os diferentes Governos têm posto em prática uma política de fusões de institutos, que tem resultado num enorme enfraquecimento do Estado no setor do Património Arqueológico”.

“Salientamos que a fusão das Direções Regionais de Cultura às CCDR nem democratiza, nem aumenta a eficácia das primeiras”, enfatizava o comunicado.

Para o STArq “não parece clara qual seria a articulação entre as CCDR e a DGPC, e mesmo que papel restaria a esta última”.

“A divisão de atribuições entre as duas entidades sugere uma gestão e tutela do Património Arqueológico mais complexa e possivelmente menos eficaz”.

O sindicato realçava que “as Direções Regionais de Cultura também são responsáveis pelo depósito do espólio arqueológico e pela salvaguarda da documentação produzida nas intervenções arqueológicas”.

“A ligação entre as Direções Regionais e a DGPC é fundamental para o acesso à informação resultante dos trabalhos arqueológicos, concretamente através do Portal do Arqueólogo, que é uma base de dados acessível através da Internet e que congrega dados sobre sítios e trabalhos em todo o país”, rematava o STArq.