O novo projeto do Convento do Espinheiro, em Évora, é em tudo diferente da clássica unidade hoteleira que outrora serviu os monges da Ordem de São Jerónimo — tendo também hospedado os reis e rainhas de outros séculos. A um quilómetro de distância, fica na Quinta do Santo e tem como grande protagonista o Cenoura-Brava, restaurante comandado pelo jovem chef João Figueiredo, que, antes de uma temporada a viajar (da Ásia à Estónia), trabalhou no estrelado Feitoria, nos tempos em que o restaurante do Altis Belém Hoel & Spa ainda estava nas mãos de João Rodrigues.
Discretamente inaugurado em novembro, o projeto traz uma particularidade: trata-se, afinal, de um restaurante com quartos. Apenas quatro, para sermos mais precisos. Um turismo em espaço rural, que nasce do Convento, mas que é independente dele, aspeto refletido, quer na localização (não tem ligação direta), quer no ambiente: é minimalista, mais moderno e intimista, características refletidas no design de interiores e na lotação máxima, limitada a 14 pessoas — a que se acresce a capacidade do T2 que, dentro da mesma quinta, está prestes a ser inaugurado, desenhado para albergar famílias.
Nuno Camacho, investidor individual à frente do Convento, transformado em unidade hoteleira em 2005, e da Quinta do Santo, quis, com este novo projeto, explica Ricardo Barreto, diretor comercial, criar um espaço mais “distinto, elegante e exclusivo”, transformando, então, uma antiga casa abandonada num novo restaurante com quartos, à qual foi acrescentado apenas o grande corredor que faz todos os elementos do turismo em espaço rural: a sala comum, o Cenoura-Brava e zona de pequeno-almoço contígua, e os quartos.
Mantêm todos a mesma tipologia, com decoração semelhante, diferente apenas em alguns pormenores. Na casa de banho, com amenities da marca Bulgari, destaca-se a enorme dimensão do chuveiro, iluminado, pela manhã, através de uma claraboia. Virados a nascente, todos têm acesso direto à piscina infinita que, durante o dia, permite contemplar parte dos seis hectares da Quinta do Santo.
De manhã, o pequeno-almoço inclui uma seleção cuidada de produtos, desde pão, a croissants, queijos, iogurtes, pastelaria fresca ou ovos de diversas formas. O espaço não conta com receção, com os hóspedes a serem recebidos por alguém do Convento do Espinheiro.
Micro sazonalidade e regionalidade levadas a sério. Os nove momentos do Cenoura-Brava
O Cenoura-Brava traz ao Convento do Espinheiro um projeto gastronómico distinto dos que já existem (o italiano Olive e o Divinus) — mas é surge também para, em parte, responder à escassez de restaurantes na cidade alentejana (eleita Capital Europeia da Cultura, em 2027). “A cidade já não conseguia dar resposta à procura de restaurantes”, explica Ricardo Barreto, aludindo à temporada do verão passado.
É como se o conceito de fine dining nos chegasse a casa: numa pequena sala, a experiência faz-se em torno de mesas de madeira antigas restauradas, com paredes brancas, ora despidas, ora com pratos decorativos, num ambiente desafetado e simples.
A complexidade concentra-se apenas na experiência gastronómica. Composta por nove momentos, nela destacam-se os produtos locais e de micro-estação, exigências levadas à letra, não fosse a matéria-prima quase toda oriunda de um raio de até 40 quilómetros de distância (exceção para o peixe, que vem da lota de Setúbal). Quem o explica é o chef João Figueiredo, 24 anos, prestes a completar 25, nascido em Lisboa, criado em Coimbra e, finalmente, mentorado de João Rodrigues, de quem bebeu o grande respeito pela matéria-prima — e que, na visita do Observador ao Cenoura-Brava, vai surgindo à mesa para revelar alguns dos segredos dos pratos que concebeu.
Também o apreço pelas partes ditas menos nobres da matéria prima é aqui revelado, desde logo no arranque da experiência, que começa com “fígados, frango e hibiscos”, uma tartelete recheada com mousse de fígados, com peles de frango crocantes e um creme de hibiscos. Segue só depois o couvert: pão de trigo Barbadela e duas manteigas, uma de alho negro e algas queimadas.
Segue-se “presunto, gema e lula“, uma espécie de “ramen alentejano”, explica o chef, que, para a criação deste prato, teve como fonte de inspiração a passagem pela Ásia. É composto por lula finamente cortada, a evocar os noodles, por uma espuma de coentros e uma gema cozinhada a baixa temperatura e ainda por presunto curado, ralado. O osso do animal não é desperdiçado e serve para fazer o caldo, posteriormente adicionado ao prato. Também a gema curada (cuja textura se assemelha a uma goma) é, nesse momento, ralada. No final, mistura-se tudo e saboreia-se com a ajuda de uma colher.
Segue-se a “língua de vaca, chalota e cebola”, uma língua de vaca, estufada ao longo de 12 horas, “muito, muito devagarinho”, com espuma de cebola e puré de chalota.
Depois, no 6.º momento, o “peixe da lota, girassol-batateiro e água-mel, bilvalves”. A proteína animal era, nesse dia, a pescada salteada “muito, muito lentamente”. Para João Figueiredo, este é “um peixe delicado” que é um “ótimo veículo” para “absorver todos os sabores à volta”. Os bivalves, revela, são berbigão. Já o girassol de batateiro, explica o chef, mais conhecido por tipubamburgo (um tubérculo, com uma flor de girassol, cuja raiz lembra uma batata), surge camuflado de várias formas, seja de puré ou de crumble, feito a partir das cascas. O molho mistura champanhe e água-mel.
O 7.º momento faz-se de vaca martolenga DOP, uma raça autóctone da região, arroz carolino com quatro tipos de cogumelos da estação e com kimchi, que troca a couve chinesa por couve lombarda e a malagueta por pimento.
Para adoçar, os três últimos momentos, desenvolvidos por Carla Parreira, chef de pastelaria do Convento do Espinheiro: “pêra, alfarroba e limão”; “Marmelo, folhas crocantes e requeijão” (este último na forma de gelado) e “gianduja, amendoim, cacau truga, castanha e framboesa”. Tudo isto acompanhado pela harmonização de vinhos de Francisco Lino.
A carta não tem tempos certos para renovações, dependendo tudo da disponibilidade dos produtos. A experiência termina e a conversa continua a arrastar-se até aos primeiros bocejos, terminando com a ida a passo lento para o quarto, numa divisão ao lado, a escassos metros de distância, tal como se estivéssemos em casa.
O jantar no Cenoura-Brava tem o valor de 120€ ou 95€, com ou sem a opção de pairing, respetivamente. Funciona de quarta-feira a domingo, das 19h30 às 21h. O alojamento tem o valor de a partir de 250€ ( o Observador ficou alojado a convite do hotel). Morada: Quinta do Santo, 7005-839 Évora. Telefone: 266 788 200.