Foi no final de 2021 que a Stellantis anunciou que estrategicamente iria investir na Factorial, firmando com esta empresa um acordo para o desenvolvimento conjunto de baterias em estado sólido. Pouco mais de um ano depois, na última edição do Consumer Electronics Show (CES), em Las Vegas, as duas companhias aproveitaram para fazer o ponto da situação do projecto e, no mínimo, o objectivo é ambicioso.

A meta inicial de introduzir as baterias que trocam o electrólito líquido por um sólido quimicamente inerte mantém-se para 2026. Ou seja, pelo menos uma mão de anos antes daquilo que um dos especialistas do sector diz ser a meta plausível para introduzir esta tecnologia, que não só incrementa a segurança como permite uma maior densidade energética, isto é, packs mais pequenos para a mesma autonomia ou do mesmo tamanho para um alcance entre recargas superior. Acresce que as baterias sólidas são ainda mais seguras, por eliminarem a possibilidade de fuga de electrólito, e os protótipos já construídos confirmam que são capazes de lidar com potências superiores, o que se traduz em tempos de carregamento mais rápidos.

Ainda falta uma década para as baterias sólidas, afirma especialista

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Contudo, este rol de vantagens tem esbarrado nas dificuldades introduzidas com a transição para a produção em série. A ponto de, há relativamente pouco tempo, o CEO da StoreDot, fabricante israelita de baterias de iões de lítio, ter sentido necessidade de vir a público sugerir alguma contenção em anúncios que, segundo ele, são irrealistas. Doron Myersdorf entende que prometer a tecnologia das baterias sólidas para “amanhã” e nunca cumprir mina a confiança dos consumidores nos players da indústria.

O CEO da Stellantis, o português Carlos Tavares, estará bem ciente das dificuldades que, até agora, impediram as baterias sólidas de ver a luz do dia. Não terá sido um descuido quando, na assinatura do acordo com a Factorial, frisou que esta colaboração se enquadra num conjunto mais vasto de parcerias para permitir “a chegada mais rápida ao mercado e uma transição mais rentável para a tecnologia das baterias em estado sólido.”

Em Las Vegas, Stellantis e Factorial reafirmaram que esperam equipar os veículos eléctricos do grupo franco-italo-americano com baterias em estado sólido o mais tardar em 2026, pelo que pretendem acelerar o processo de desenvolvimento da tecnologia da Factorial recorrendo a instalações de onde hoje saem packs de baterias de iões de lítio.

Recorde-se que, em 2020, o Grupo Volkswagen foi um dos que apostou na QuantumScape, nela investindo centenas de milhões de euros, a ponto de deter 16% da empresa liderada por Jagdeep Singh, que prometeu então uma bateria de estado sólido, pronta a ser produzida em larga escala, a meio da década. Alegadamente, essas baterias poderiam ir de 0 a 80% da carga em apenas 15 minutos, ofereceriam até mais de 80% da autonomia do que um pack de peso equivalente de células de iões de lítio e, ainda, seriam capazes de resistir a centenas de milhares de quilómetros, mesmo em temperaturas extremamente negativas.

Singh, conforme relatou a CNBC, tinha 1,3 mil milhões de dólares no final de Março de 2022 para garantir que, em 2025, a QuantumScape está pronta a entregar o derradeiro protótipo (Amostra C) para teste dos fabricantes de automóveis. Sucede que, de momento, ainda não houve indicação de que o protótipo A concluiu o ciclo de testes, o que leva os investidores a continuar à espera do tal “milagre”.

Por seu turno, a BMW já começou a testar as baterias sólidas da Solid Power, empresa com que a Ford também tem acordo. A marca da hélice vai pagar 20 milhões de dólares até 2024 para poder aceder à tecnologia da Solid Power, mas o protótipo funcional não é esperado antes de 2025 e os planos dos bávaros só o incluem num modelo de produção em 2030.

Mas a Stellantis está optimista e, aparentemente, confiante na exequibilidade em larga escala da bateria sólida da Factorial. Até porque a tecnologia FEST (de Factorial Electrolyte System Technology) é “facilmente integrada nas infra-estruturas de fabrico de baterias de iões de lítio actualmente existentes”. O material do electrólito sólido é exclusivo e, segundo a Factorial, tem potencial para chegar aos 100 amperes. O protótipo exibido no CES era superior ao apresentado em 2021 com 40 Ah, considerado o tamanho mínimo para instalar num modelo eléctrico. Mais conservadora nos ganhos, comparando com a QuantumScape, a Factorial acredita que a tecnologia que está a desenvolver vai permitir baterias com incremento de 50% da autonomia face às actuais de iões de lítio, pesando menos e ocupando menos volume. Isto porque, no limite, deverão permitir ganhar até 30% de densidade energética.