Unir as pessoas em torno da reivindicação de poder viver na cidade é o mote do movimento que está a recolher assinaturas para realizar um referendo local pelo direito à habitação em Lisboa.

A Lusa conversou com três elementos do Movimento Referendo pela Habitação (MRH), que quer mobilizar as pessoas para reclamarem o direito a morar em Lisboa e, simultaneamente, proibir o alojamento local em imóveis destinados à habitação.

Ana, Raquel e Teresa – que preferem usar apenas os primeiros nomes, porque falam em representação de muitas outras pessoas – apresentam “um movimento de pessoas diversas”, que partilham da opinião de que “o diagnóstico está feito”, mas “as propostas têm sido muito insuficientes”, considera Teresa.

Para resolver a situação, não chega um Plano Nacional de Habitação (proposto pelo Governo e aprovado na sexta-feira, no parlamento), é preciso “tomar o problema nas próprias mãos”.

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A proposta de um referendo local advém dessa “urgência” de resolver um problema que “tem sido um bocado negligenciado“, observa Raquel.

Nós precisamos de resposta já, o mais rapidamente possível e, infelizmente, muitas das outras propostas que são postas na mesa vão demorar bastante tempo”, sustenta.

“O poder político já há muitos anos que anda a dizer que vai resolver o problema e não resolve”, lembra Ana.

A iniciativa decorre também da constatação de que o direito à habitação tem sido “muito mal tratado, politicamente, judicialmente” e de “não acreditar que os poderes políticos vão […] resolver este problema”.

O referendo proposto (https://referendopelahabitacao.pt/) tem apenas duas perguntas: Concorda em alterar o Regulamento Municipal do Alojamento Local no sentido de a Câmara Municipal de Lisboa, no prazo de 180 dias, ordenar o cancelamento dos alojamentos locais registados em imóveis destinados a habitação? Concorda em alterar o Regulamento Municipal do Alojamento Local para que deixem de ser permitidos alojamentos locais em imóveis destinados a habitação?

O MRH precisa de recolher pelo menos cinco mil assinaturas de pessoas recenseadas na capital, que depois apresentará à Assembleia Municipal de Lisboa, que terá de discutir a proposta, mas poderá aprová-la ou não.

Se não aprovar, o referendo cai, se aprovar, então segue para apreciação no Tribunal Constitucional. Chegado aí, o movimento confia que “as perguntas serão validadas”, porque estudou muito para não ter “um chumbo técnico”, ressalva Ana. Só depois de tudo isto, o referendo poderá seguir para as urnas.

Por outro lado, “é um processo com várias etapas” difíceis de ultrapassar, sobretudo as políticas, antecipam, assumindo que o objetivo vai para lá do referendo, passando também por “criar movimento na cidade”, que garanta “apoio popular” à iniciativa e “faça com que a Assembleia Municipal não possa votar contra ou, se o fizer”, se possa dizer que está a “chumbar a ideia de ouvir a população”.

Nunca foi feito um referendo local por iniciativa popular”, assinala Teresa, lamentando que esta “ferramenta de democracia direta” tenha sido “muito pouco usada em Portugal” e “nunca” em Lisboa.

A habitação – recorda Raquel – “é um direito de todos” e, por isso, o MRH posiciona-se como “apartidário” e “autofinanciado”, no qual “todas as pessoas participam como habitantes da cidade ou como ex-habitantes da cidade, para aqueles que já foram expulsos da cidade, mas querem recuperá-la”.

“Aquilo que nos une é a ideia de que as casas são para habitar, que a habitação tem de cumprir a sua função social“, resumem, assumindo que pegaram “numa pequenina parte” do problema – o alojamento local -, mas naquela que “legalmente” podiam “atacar”, apoiando-se numa decisão do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de que o alojamento local não pode acontecer em prédios destinado à habitação.

A cidade é para quem a habita, para quem trabalha nela, para quem construir comunidade nela”, vinca Teresa.

Não pretendem “acabar com o alojamento local em absoluto”, mas “recolocar as coisas no seu devido lugar”, sublinha Teresa.

“Sendo um negócio, [o alojamento local] não pode funcionar em imóveis com licenças de habitação, [mas] poderá funcionar noutro tipo de imóveis”, frisa.

Ana recorda que em Lisboa “há casas de sobra para toda a gente, as casas não estão é a ser usadas, nem os poderes estão a obrigar a que as casas estejam a ser usadas, para as pessoas morarem”, acrescentando: “Se todas as casas que existem em Lisboa que estão a ser usadas para alojamento local fossem para as pessoas morarem acabávamos com os problemas de habitação mais prementes em todo o país.”

As assinaturas – “cerca de 800” até agora – estão a ser recolhidas presencialmente, com recurso a “grupos de bairro”, com o horizonte temporal de julho, para que o referendo possa ser discutido a partir de setembro.

O movimento é aberto à participação de quem habita em Lisboa, conceito que vai além dos residentes, estendendo-se a quem trabalha e passa tempo na cidade e se “sente ameaçado” pela “especulação imobiliária” e “pela forma como a cidade tem sido conduzida, como um negócio turístico“.