Mais do que um rebuçado, é um “amigo do peito”. E fez estalar uma guerra que se arrastou por quase dois anos entre uma fábrica na Amadora e um dos maiores grupos de distribuição do país. O tribunal veio agora pôr termo ao diferendo e decidiu a favor da Modelo Continente, que é livre de registar a marca “Continente Rebuçados Peitorais” e o slogan “amigos do peito”, contra a vontade da Dr. Bayard, que considera a decisão “injusta”.

A história, avançada pela Visão, tem início a 11 de março de 2021, quando a Modelo Continente pediu no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) o registo da marca ‘Continente Rebuçados Peitorais 0% Açúcar O Seu Amigo do Peito’. Em abril do mesmo ano, a Fábrica de Rebuçados Dr. Bayard, cujo slogan é “O Verdadeiro Amigo do Peito”, contestou o pedido, tendo a reclamação sido deferida por o INPI considerar que não se verificava a “possibilidade de confusão ou erro” entre as duas marcas. “Um homem médio, face às marcas em causa, facilmente verificará que se tratam de marcas de empresas diferentes”, ditava a decisão.

Não satisfeita, a Dr. Bayard avançou para os tribunais. A primeira instância deu razão ao Continente mas, “inconformada com a sentença”, a empresa da Amadora recorreu. Em dezembro do ano passado o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a sentença favorável à marca do grupo Sonae.

O veredicto? Os termos “‘rebuçados peitorais’ e ‘amigos do peito’ são expressões genéricas e correntes, referências de que ninguém pode reclamar o uso exclusivo, mesmo que as tenha utilizado em primeiro lugar na composição das marcas de que é titular”.

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O entendimento da Dr. Bayard é diferente. Para Daniel Matias, diretor de comunicação da empresa, o desfecho foi um balde de água fria. “É um sentimento de injustiça. Não somos só nós, marca, que vemos as parecenças. Há pessoas isentas que conseguem olhar para as duas embalagens e ver as semelhanças. O slogan, então, tem uma parecença gritante”, nota ao Observador.

A marca, refere o responsável, entende que o Continente faz um “aproveitamento” do slogan e da imagem da Dr. Bayard. “Não achamos que seja coincidência, achamos que é uma estratégia do Continente para levar os consumidores a uma compra por engano e a comprar uma marca branca a pensar que estão a comprar Dr. Bayard. No nosso entender, isso não é bom nem para os consumidores nem para ninguém”, acrescenta. E foi isso que tentou fazer valer em tribunal, sem sucesso.

Segundo a sentença, consultada pelo Observador, a empresa que fabrica rebuçados para a tosse desde 1949 considera que o Continente está a fazer “concorrência desleal” devido à forma como apresenta os seus rebuçados de marca própria, além de invocar também a “relação comercial” que existe entre as duas partes, porque “ambas são entidades que comercializam rebuçados peitorais”. Para a Dr. Bayard, “há semelhanças sérias na forma como” o Continente apresenta o seu produto, “nas embalagens e invólucros pois utiliza o mesmo esquema cromático e apresentação” do que a Dr. Bayard. Além de que ambas as marcas “surgem (e são encontradas) lado a lado e inclusive no site” do Continente, “sendo vendidas a preço inferior”.

Face a isto, a Dr. Bayard alega que a forma como o Continente “utiliza e comercializa” os rebuçados no mercado “é suscetível de causar confusão, em sentido lato, com a atividade e produtos da Dr. Bayard, inclusive com a sua estratégia promocional, gerando uma associação espontânea entre as duas entidades e as respetivas marcas”.

Um dos argumentos da Dr. Bayard, que o Continente contesta, é a “notoriedade” conquistada pela marca no mercado nacional, aliás, reconhecida pelo INPI, acusando o Continente de “aproveitamento” do mesmo, ao utilizar a marca “de forma a gerar uma associação com a Dr. Bayard, aproveitando-se da reputação que esta aufere no mercado há 70 anos”.

A empresa considera ainda que o slogan “‘O Verdadeiro Amigo do Peito’ presente em destaque na marca” Dr Bayard “denota um play-on-words, um trocadilho com a expressão original referente a uma pessoa amiga, aplicando-se neste caso à promoção dos rebuçados da Dr. Bayard”, alega a empresa. “Este slogan publicitário é uma construção frásica de determinada criatividade e que não é banal na composição de outras marcas nem é uma designação genérica ou descritiva do produto”, acrescenta. A empresa remata que “essa expressão encontra-se a ser imitada por parte” do Continente, “ao utilizar ‘O seu amigo do peito'” nos seus próprios rebuçados.

E que assim “o público se deparará com ‘o seu amigo do peito’ aquando da procura do ‘o verdadeiro amigo do peito’ e, face às similitudes já reveladas, dificilmente não os irá associar, e no mínimo deduzirá que existe algum tipo de autorização, licenciamento ou estratégia publicitária conjunta”.

Apesar de se sentir lesada, a marca refere que não sentiu “um impacto muito grande” nas vendas, “porque os consumidores consomem por fidelidade à marca e pelas propriedades que os rebuçados têm, e quem compra os rebuçados do Continente será por engano”, diz Daniel Matias.

O Continente rejeita os argumentos da Dr. Bayard, referindo que esta, “para provar a sua tese”, baseou-se “somente num conjunto de alegações retóricas e conclusivas, recheadas de ‘considerações’ e ‘comparações’, que não obedeciam à mais rudimentar técnica processual de alegação de factos”. Para a distribuidora do grupo Sonae, é “manifesto que, à falta de melhor argumento”, a Dr. Bayard “invocou a imitação de marca com base na ‘quantidade’ e não na ‘qualidade’, invocando várias marcas que não têm qualquer semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra com a marca” que o Continente pretende registar. Os “Rebuçados Peitorais 0% Açúcar O Seu Amigo do Peito” serão, a partir de agora, a marca nacional n.º 660786.