O presidente do Conselho Nacional da Educação (CNE) defendeu que o ensino em Portugal mudou muito na última década e já existem condições para a qualidade do sistema passar para um “patamar ainda melhor”, esperando um “compromisso histórico” das negociações entre Governo e os sindicatos .

O CNE divulgou esta quarta-feira o relatório “Estado da Educação 2021”, onde traça o retrato do sistema de ensino português com base num conjunto alargado de indicadores, relacionados com os professores, alunos e até o investimento feito no setor.

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Numa entrevista à agência Lusa a propósito da divulgação do relatório, o presidente do órgão consultivo do Governo sublinhou que o cenário era, em 2021, muito diferente face à década anterior e, se por um lado, subsistem problemas por resolver, há indicadores em que “o país está claramente a melhorar há 10 anos”.

Desde logo, Domingos Fernandes sublinhou a evolução das taxas de abandono escolar e de conclusão, recordando que, na década de 1990, mais de metade dos alunos não chegavam a terminar o secundário e, atualmente, cerca de 87% concluem esse ciclo de ensino.

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“O país não tem nada a ver com o que era há uns anos. Tem havido uma evolução fruto das políticas públicas, fruto do próprio desenvolvimento da sociedade, e fruto também do trabalho dos professores”, sublinhou.

No entanto, o presidente do CNE ressalva que essa evolução positiva não está concluída, havendo ainda um caminho a percorrer para melhorar, apesar de considerar que as condições para isso já existem.

“Acredito que temos condições para passar para um patamar ainda melhor. Temos condições objetivas, professores muito qualificados”, começou por dizer, referindo, a título de exemplo, que, do ponto de vista legislativo, as escolas têm, desde 2017, espaço para fazer melhor no âmbito da autonomia e flexibilidade curricular.

Um dos aspetos em que Domingos Fernandes vê espaço para melhorar é, precisamente, na forma de ensinar.

“A nossa tradição pedagógica não nos ajuda muito a lidar com a diferença, temos de ser mais flexíveis”, disse, insistindo que isso já é possível.

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Por outro lado, o presidente do CNE argumentou também que a prioridade dos professores tem de ser a aprendizagem e não o ensino, e que o trabalho com os alunos tem de ser mais próximo, o que implica abandonar a ideia de que o professor fala e o aluno escuta.

“Estas coisas, naturalmente, demoram algum tempo, mas eu acho que o país tem, neste momento, condições objetivas”, reafirmou, apontando a necessidade de outras medidas concretas, como a aposta na formação contínua dos professores.

Também é preciso que se conheça melhor as escolas e que as escolas colaborem umas com as outras”, defendeu, acrescentando o reforço da relação com as instituições de ensino superior.

“Não posso deixar de estar solidário com muitas das reivindicações que são apresentadas”

Domingos Fernandes admitiu também estar solidário com os professores e disse esperar que as negociações em curso entre o Governo e os sindicatos resultem num “compromisso histórico” positivo para estabilizar a carreira docente.

“Estamos num momento em que deveria ser atingido um compromisso histórico”, defendeu Domingos Fernandes.

Apesar de o relatório remeter para o ano letivo 2020/2021, o presidente do CNE não se escusou a comentar o contexto atual, em que a contestação dos professores continua a intensificar-se, com greves que se prolongam desde dezembro e manifestações a cada duas semanas.

O tema foi levantado pelo próprio presidente do CNE, que começou por apontar alguns problemas associados à carreira docente para justificar que a profissão não seja atrativa. E acrescentou: “Não posso deixar de estar solidário com muitas das reivindicações que são apresentadas”.

Para Domingos Fernandes, o atual modelo de recrutamento e mobilidade de pessoal docente “já não responde àquilo de que a sociedade portuguesa necessita”, sendo precisamente a revisão desse modelo que está a ser negociada entre o Ministério da Educação e os sindicatos do setor.

Esclarecendo que o órgão consultivo do Ministério da Educação não está a participar no processo, Domingos Fernandes considerou, ainda assim, que algumas das propostas apresentadas pela tutela são positivas e vão permitir aumentar a estabilidade e reduzir a precariedade, por exemplo, através das vinculações e da diminuição das zonas pedagógicas.

Mas as reivindicações dos professores não se ficam pelos concursos ou pela colocação. Pedem, também, melhores condições salariais e de trabalho, uma progressão mais rápida na carreira e, sobretudo, a contabilização integral do tempo de serviço congelado.

“É muito difícil, para mim, dizer que está muito bem assim. Não está, mas compreendo que o Governo pode ter dificuldades de natureza financeira”, sublinhou, admitindo que o executivo “tem aí um problema”.

Ainda assim, Domingos Fernandes apelou a “um grande esforço” das duas partes, com vista a um acordo que, em seu entender, seria histórico para a Educação.

Mas, para isso, o Governo tem de se aproximar das reivindicações dos professores, “porque são justas”, enquanto os sindicatos têm de ceder “até um certo ponto”.

Para o presidente do CNE, esse entendimento seria um dos passos necessários para tornar a carreira docente mais atrativa, mas não o único.

Manifestando-se preocupado com o envelhecimento da classe docente expressão de que admitiu não gostar e com o reduzido número de alunos que escolhem os cursos de Educação quando seguem para o ensino superior, Domingos Fernandes afirmou que “há um conjunto de estratégias que têm de ser desenvolvidas para não cairmos numa situação insustentável de falta de professores”.

Além das medidas necessárias para valorizar a carreira docente, acrescentou, por outro lado, a imagem que a sociedade tem da escola e dos professores, que na sua opinião nem sempre corresponde à realidade, argumentando que, ao contrário do que pode transparecer, sobretudo no atual momento de contestação, “a grande maioria dos professores gosta da sua profissão”.

Por isso, tornar a profissão mais atrativa passa também por dar a conhecer o trabalho desenvolvido pelas escolas, um esforço com o qual o próprio Conselho se comprometeu, por exemplo, através do projeto “DICA  Divulgar, Inovar, Colaborar, Aprender”, lançado no início da semana.

“A sociedade deve conhecer melhor a escola e, quando isso for mostrado, as pessoas vão verificar que aquilo que acontece nas escolas é muito melhor do que as pessoas imaginam”, defendeu.