O presidente do PS sustenta que o Governo deve ser avaliado pelos resultados e não pela condição de um dos seus membros e que os casos ocorridos com alguns elementos do executivo não tipificam uma linha comportamental. Em entrevista à agência Lusa, Carlos César considera que surgiram casos com membros do executivo que podiam ter sido evitados, mas entende que não há razões para uma alteração de fundo na trajetória do Governo e não atribui veracidade a “comentários” de que o Presidente da República poderá demitir o executivo ou dissolver o parlamento, destacando, até, o “apego à estabilidade” de Marcelo Rebelo de Sousa.

Questionado de que forma encara o aviso do Presidente da República de que 2023 é um ano decisivo, o conselheiro de Estado responde da seguinte forma: “Os avisos que damos prioridade de atendimento são os recebidos dos portugueses e das portuguesas”.

Depois, observa que “o PS obteve uma votação” nas legislativas de janeiro de 2022, “aliás, sensivelmente idêntica à da reeleição do senhor Presidente da República” em janeiro de 2021.

Já sobre notícias de que o Presidente da República pode demitir o Governo ou dissolver o parlamento, ou de que Marcelo Rebelo de Sousa gostaria de terminar o seu segundo mandato presidencial com um primeiro-ministro do PSD, Carlos César diz não atribuir veracidade “a esses comentários”.

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“Aliás, o Presidente da República, como todos nós sabemos, foi eleito com uma larga maioria de votos dos socialistas. E conhece por isso o valor de uma certa transversalidade que caracteriza a estabilidade política e que, naturalmente, se aplica no nosso país”, advoga.

Na perspetiva do presidente do PS, Marcelo Rebelo de Sousa, no exercício do seu mandato, “tem evidentemente necessidade de ocupar um espaço diferente daquele que tinha quando havia uma potencial instabilidade por não haver maioria absoluta” no parlamento. “Mas a verdade é que, nas suas linhas gerais, aquilo que percebo e interpreto da ação do Presidente da República é um grande apego aos valores da estabilidade e à cooperação institucional”, defende.

Quando o PS assinalou sete anos de governação, em novembro passado, Carlos César fez um apelo a que houvesse maior cuidado no plano ético por parte de todos os responsáveis políticos socialistas. Interrogado se esse apelo não foi ouvido, tal a sucessão de casos que se registaram a partir de dezembro passado, o presidente do PS assume que surgiram situações que poderiam ter sido evitadas se tivesse havido cuidado e prevenção.

“Mas o Governo deve ser avaliado pelos seus resultados e não pela condição ou pelo desempenho de algum dos seus membros. Julgo que há boas condições para nós considerarmos que esta experiência deve prosseguir, deve naturalmente aperfeiçoar-se, e não vejo nenhuma razão para que haja qualquer alteração de fundo na trajetória do Governo”, sustenta.

“Evidentemente que esses casos, como o próprio nome diz, são casos, que não tipificam uma linha comportamental, nem pode catalogar um Governo que tem a seu crédito enormes e variados resultados positivos”, alega.

Carlos César procura antes destacar a difícil conjuntura internacional que acompanhou a ação do atual Governo, que foi confrontado com uma guerra na Ucrânia e com os efeitos sociais da subida da inflação e das taxas de juro.

“Tivemos um ambiente muito difícil de superar. Apesar de tudo, tivemos imensos resultados positivos. É impossível não reconhecer — e eu não compreendo com que honestidade política os nossos oponentes evitam dizê-lo — que é um mérito do país e do Governo termos sido neste ano tão difícil o segundo país da União Europeia com maior crescimento económico”, realça.

O presidente do PS faz mesmo questão de frisar que o crescimento económico “não é apenas uma estatística”.

“Quer dizer que as empresas trabalharam, geraram emprego — Portugal tem uma taxa de desemprego historicamente baixa — e significa que a confiança dos investidores internos e externos se manifestou de forma muito prometedora para o futuro. Tivemos um ano em que se registou uma baixa significativa na taxa de pobreza e de exclusão social e em que se afirmou a nossa cultura institucional no âmbito europeu com uma influência relevante nas decisões tomadas. Foi também um ano que serve de arranque a um processo que teve os seus atrasos por razões da conjuntura internacional no lançamento de grandes investimentos associados ao Plano de Recuperação e Resiliência”, acrescenta.

Carlos César, em suma, reconhece que “Portugal tem muitos problemas, como todos os europeus têm, mas revelou menos efeitos negativos na reação a esta crise internacional do que a generalidade dos países europeus”.

Um governante arguido deve ser demitido?

O presidente do PS diz que a doutrina partidária não é tão hermética que aponte a demissão a um governante constituído arguido e manifesta-se curioso com a intensidade e frequência metódica de casos num setor político confinado. Estas posições foram transmitidas por Carlos César em entrevista à agência Lusa, depois de interrogado se o ministro das Finanças, Fernando Medina, deve abandonar o Governo se for constituído arguido, e se o PS tem a doutrina de quem for arguido num processo judicial deve demitir-se das suas funções políticas.

“Nós não temos uma aplicação tão hermética que determine isso. Há casos e casos. Há casos profundamente diferentes entre aqueles que foram ultimamente tornados públicos”, responde o membro do Conselho de Estado e antigo líder da bancada socialista.

Neste contexto, Carlos César observa que “é muito curioso que subitamente tudo isso tenha acontecido com uma intensidade e uma frequência tão metódica e que devesse apenas existir num setor político confinado problemas desta natureza”.

“Mas, superando isso, a verdade é que há casos que não são casos, não merecem qualquer referenciação ou valoração política; e outros naturalmente que o mereceram e também geraram em consequência a substituição dessas pessoas no Governo”, assinalou. O presidente do PS declara em seguida encarar “com naturalidade todo este processo”. Um processo que, na sua opinião, “é artificializado quer na sua origem quer nas reações e no estímulo a essa instabilidade que algumas forças promovem”.

“Aqueles casos que forem realmente verdadeiros serão certamente objeto de decisão dos tribunais. Até essa decisão, esses casos para nós são apenas motivos que devem prender a nossa atenção, mas que não são determinantes para qualquer alteração”, sustenta.

Neste ponto relativo ao juízo político a partir de processos judiciais, Carlos César acentua que “as pessoas só são culpadas quando os tribunais decidem nesse sentido”.

“A não ser que existam indícios ou que as práticas de que as pessoas estão acusadas sejam especialmente sensíveis e graves que não assegurem a continuidade dessas pessoas no Governo”, ressalva.

Confrontado com a acusação do antigo primeiro-ministro José Sócrates de que o PS substituiu o princípio da presunção da inocência pelo princípio da presunção da culpa, o atual presidente dos socialistas responde: “A conduta do PS sobre essa matéria é muito clara”.

“Condenamos todos os comportamentos que revelem falhas éticas, e ainda mais aqueles que sejam ilegais. Pelas circunstâncias que temos vindo a viver, temos uma atenção especial em relação a esses casos, e à prevenção desse tipo de comportamentos. Mas nós temos consciência de que o caminho que estamos a fazer é um caminho que tem sucessos que não podem ser ocultados por quem os deseja ocultar com a exponenciação dessas situações”, adverte.

Na perspetiva do presidente do PS, “há interlocutores e há comentadores dessas áreas que merecem mais crédito e outros que merecem menos crédito”.

“Aquilo que nos merece crédito é agir da melhor forma possível, prevenir ocorrências desta natureza, governar bem e com bons resultados”, advoga.

Interrogado se uma das soluções para melhorar a coordenação política do Governo passaria por ser nomeado vice-primeiro-ministro, Carlos César alega que “essa questão não se coloca nem se tem colocado”.

“Tenho as minhas funções de presidente do PS, dou conselhos quando me pedem e dou conselhos a quem gosto e, portanto, limito as minhas funções nesse âmbito. De qualquer modo, penso que a coordenação do Governo não passa pela existência de alguém que resolva de um dia para o outro esses problemas. Creio que há um acerto que está em curso e que deve ser evidentemente liderado pelo primeiro-ministro”, defende.

Governo deve atender a problemas com salários que estiveram congelados

O presidente do PS considera que o Governo deve atender aos problemas com salários que estiveram congelados nos dois anos de pandemia da Covid-19 e entende que o executivo socialista tem plenas condições políticas para cumprir a legislatura.Estas posições foram transmitidas por Carlos César numa entrevista à agência Lusa centrada na situação do atual Governo, quando na segunda-feira se assinala um ano da vitória do PS com maioria absoluta nas eleições legislativas antecipadas de 30 de janeiro de 2022.

Interrogado sobre a existência de um gradual crescimento da contestação social, em particular dos professores, o antigo líder parlamentar socialista e atual conselheiro de Estado começa por lembrar os dois anos de pandemia [da Covid-19] “em que, por exemplo, todas as questões envolventes das negociações salariais e muitas outras de carreiras especiais estiveram de certa forma congeladas ou inibidas de serem tratadas com a liberdade sindical e laboral que é característica das democracias e do país”.

Agora, segundo Carlos César, há um período em que o Governo e o PS se devem “debruçar e atender a esses problemas salariais que sobram desse tempo de pausa”.

“É altura de, caso a caso, resolvermos esses problemas. Alguns estão a ser resolvidos – e de certeza que o problema dos professores também começará a ter um desenho na sua resolução que vai permitir-lhes terem confiança num processo que não seja interrompido de recuperação daquilo que entendem ter direito”, defende.

Questionado sobre dúvidas se o atual Governo conseguirá cumprir o seu mandato até ao final da legislatura, Carlos César sustenta que continuam reunidas todas as condições políticas e institucionais para isso acontecer.

“O PS obteve uma vitória eleitoral, que se manifestou do ponto de vista orgânico numa maioria absoluta no parlamento, essencialmente por três razões: Uma pelo mérito próprio e dos resultados obtidos enquanto desempenhou anteriormente funções de Governo; uma segunda razão, que pode ser imputável à falta de capacidade da oposição em proporcionar uma alternativa construtiva; e uma terceira razão que foi uma opção clara dos eleitores em privilegiar e reconhecer o caráter essencial da estabilidade política na vertente institucional”, argumenta.

De acordo com Carlos César, “essas três razões que originaram a vitória eleitoral do PS, a maioria absoluta que detém e a constituição do Governo são as mesmas três razões que hoje existem incólumes”.

“Portanto, creio que há todas as condições de o Governo prosseguir nas suas funções e não há da parte dos restantes órgãos de soberania, que são intervenientes numa eventual interrupção da experiência governativa em curso, qualquer manifestação em contrário. O próprio senhor Presidente da República já reconheceu que é essencial preservar a estabilidade e a continuidade da ação do Governo. E no parlamento o PS dispõe de uma maioria confortável, que também permite continuar a executar a sua política e o Programa do Governo”, aponta.

Nesta entrevista, o antigo presidente do Governo Regional dos Açores (1996/2012) rejeita a tese de que as maiorias absolutas são nefastas para a vida democrática.

O PS “pode orgulhar-se de, apesar de ter uma maioria absoluta que lhe permitiria no plano político agir independentemente de terceiros, a verdade é que este ano de exercício de mandato demonstra que estamos em presença de uma experiência nova de exercício da maioria absoluta”, advoga.

Para negar a tese de que maioria absoluta corresponda a poder absoluto, o presidente do PS recorre à contabilidade das votações parlamentares, onde diz ser possível verificar “um número elevadíssimo de confluências entre o PS e os restantes partidos, quer no que toca a propostas do próprio Governo, quer no que toca à anuência perante propostas dos partidos da oposição”.

“Apesar de uma maioria absoluta no plano parlamentar, que dispensaria o Governo de grandes diligências complementares, a verdade é que o Governo afirmou as suas qualidades no plano do diálogo social celebrando um acordo de concertação social de caráter plurianual, conseguiu um acordo no âmbito da função pública, conseguiu um acordo com as associações de municípios encetando o processo de descentralização de competências. E até em casos específicos, como, por exemplo, o da metodologia relativa à construção do novo aeroporto, foi capaz de acordar com forças oponentes”, exemplifica.

Carlos César reconhece que as maiorias absolutas “suscitam sempre alguma impaciência por parte dos oponentes, mais ou menos informais, dos partidos ou de outras forças perante a perceção que o Governo pode não atender e não ter que concertar as suas posições”.

“No entanto, em boa verdade, provou-se ao longo deste tempo exatamente o contrário”, acrescenta.