O constitucionalista Jorge Pereira da Silva diz que “é provável que a inconstitucionalidade” do crime de maus-tratos a animais venha a ser decretada pelo Tribunal Constitucional (TC) com força obrigatória geral, após o Ministério Público ter feito um pedido formal nesse sentido. Em entrevista ao programa “Justiça Cega” da Rádio Observador, o professor da Universidade Católica defende, contudo, que era possível aos juízes do Palácio Ratton seguirem outro caminho.

“A Igreja Católica é mais flexível na interpretação do livro do Génesis do que os juízes do TC a interpretarem a Constituição”

Apesar de vários projetos de revisão constitucional incluírem a proteção dos direitos dos animais (o que permitiria resolver os atuais riscos constitucionais do crime de maus-tratos a animais), Pereira da Silva está pessimista quanto ao sucesso do processo em curso por falta de um acordo estrutural entre o PS e o PSD.

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O “paradoxo extraordinário” das decisões de inconstitucionalidade do TC

O antigo diretor da Escola de Direito da Católica diz que tal nem sequer seria necessário, pois defende que a criminalização dos maus-tratos a animais é compatível com o atual texto da Constituição.

“A Igreja Católica é mais flexível na interpretação do livro do Génesis [que explica a criação do mundo] do que os juízes do TC a interpretarem a Constituição” no caso dos maus tratos aos animais. “Porque no livro do Génesis o homem está no centro [da criação] do mundo e os animais e as plantas estão cá unicamente para nos servir. É uma visão antropocêntrica — que já foi ultrapassada pela Igreja Católica com a encíclica do Papa Francisco que fala de “ecologia integral” e de “casa comum”. Esta casa comum é de todos os seres vivos.”

Ora, na ótica de Pereira da Silva quando a Constituição ‘diz’ no artigo 1.º que “Portugal é uma República baseada na dignidade da pessoa humana (…), empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”, tal pressuposto não significa apenas que “é uma sociedade de pessoas humanas” mas sim que “pensa a vida como um todo e na preservação da casa comum para as gerações futuras. E, nesse contexto, os animais são absolutamente indispensáveis.”

O constitucionalista diz que as três decisões do Constitucional que decretaram a inconstitucionalidade do crime de maus-tratos caíram num “paradoxo extraordinário”: é que existe crime de dano contra os animais mas depois os animais em si mesmos parece que têm azar.”

Ou seja, continua Pereira da Silva, “se eu matar um cão do meu vizinho, o mal está em ser do meu vizinho, não está em ser um animal. Portanto, é um crime contra a propriedade. Se eu matar uma espécie protegida, o mal está no dano que eu provoco na natureza”.

O professor de Direito Constitucional explica que o “próprio direito civil, muito conservador, fez uma reforma muito significativa em que deixou de classificar os animais como ‘coisas’. Pode haver responsabilidade civil por danos morais causados por matar um animal alheio. O direito civil fez essa evolução e isso também é relevante em termos constitucionais”.