Quase 98% da população elegível para fazer o rastreio do cancro da mama já foi convidada a fazer o exame, ultrapassando o objetivo europeu previsto para 2025, anunciou hoje o diretor do Programa Nacional das Doenças Oncológicas.

Em entrevista à agência Lusa na véspera do Dia Mundial do Cancro (que se assinala no sábado), José Dinis disse que “há uma novidade boa” a nível dos três rastreios oncológicos de base populacional (cancro da mama, colorretal e colo do útero) que conseguiram “melhorar francamente”.

“A grande notícia é que no cancro da mama já atingimos os objetivos europeus previstos para 2025 de convidar mais de 90% da população elegível”, salientou o diretor do programa da Direção-Geral da Saúde.

O médico oncologista realçou o facto de quase 98% da população-alvo (mulheres dos 50 aos 69 anos) já terem sido convidadas a fazer rastreio, o que considerou “um facto extraordinário”, que se deveu principalmente à “extraordinária colaboração” da Liga Portuguesa contra o Cancro que conseguiu, juntamente com o Estado, implementar de uma forma efetiva o rastreio na região de Lisboa e Vale do Tejo, a área que estava deficitária.

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Neste momento, Portugal está “totalmente coberto”, disse, defendendo ser agora importante que “a adesão, que ainda está relativamente baixa, acompanhe a disponibilidade que existe para fazer o rastreio”.

Relativamente aos rastreios do cancro do colo do útero e do cancro colorretal, José Dinis disse que, apesar de ainda haver problemas, “já há uma recuperação franca” para níveis pré-pandemia, estando já ao nível de 2019.

Reconheceu, contudo, que a estratégia a seguir nestes dois rastreios vai ter que ser alterada e para isso as normas foram revistas, sendo que a do cancro do colo do útero aguarda publicação e a do cancro colorretal está ainda em revisão.

“Nós pensamos que também estes dois rastreios podem dar um impulso considerável para ultrapassarmos a marca dos 90% da população elegível convidada” até 2025 como previsto no Programa Europeu de Luta Contra o Cancro.

Segundo dados da Direção-Geral da Saúde, estes rastreios têm demonstrado a redução de mortalidade aproximadamente de 30% no cancro da mama, 20% no cancro colorretal e 80% no colo do útero.

José Dinis avançou que o programa de rastreios será alargado ao cancro do pulmão, tendo como população-alvo os grandes fumadores, ao cancro da próstata e ao cancro do estômago, em que Portugal é “infelizmente” o “campeão da Europa”.

“É um rastreio (cancro do estômago) que a Comissão Europeia recomenda vivamente aos países de elevada incidência e nós estamos na linha da frente”, sublinhou.

O diretor do programa defendeu que os rastreios têm que atingir o “Portugal profundo”.

O “grande desafio” é que os rastreios atinjam “toda a gente”, afirmou, defendendo um processo semelhante ao que ocorreu com a convocação feita à população por SMS para a toma da vacina contra a covid-19.

“Aqui vai ter que ser a mesma coisa. As pessoas vão ter que ser chamadas independentemente se estão longe ou se estão perto porque tem sempre que haver um centro perto para que a pessoa seja incluída no rastreio, porque os rastreios salvam vidas”, defendeu.

O diretor do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, José Dinis, defendeu esta sexta-feira uma reorganização dos recursos disponíveis no país para ultrapassar as desigualdades no acesso da população aos cuidados de saúde na área do cancro.

Estado deve reorganizar os recursos que tem disponíveis

É muito importante que o Estado olhe para os recursos que tem disponíveis e para onde está a população e os organize. É isso que o Programa Nacional das Doenças Oncológicas tenta fazer como uma estrutura técnica de apoio aos órgãos de decisão”, disse José Dinis.

O médico oncologista explicou que, sendo a esmagadora maioria dos doentes com cancro em Portugal tratados no Serviço nacional de Saúde (SNS), “a iniquidade no acesso estará em primeira linha ligado com a heterogeneidade e a desigualdade como o sistema nacional de Saúde está implementado em Portugal”.

“Há sítios onde funciona muito bem, sítios em que funciona assim assim e sítios onde funciona de uma forma não tão bem“, admitiu José Dinis, assegurando, contudo, que os doentes têm acesso aos melhores tratamentos disponíveis para o tratamento do cancro.

Questionado se a crise tem tido impacto na disponibilidade dos medicamentos, o especialista começou por explicar que os tratamentos oncológicos são multidisciplinares, indo das cirurgias mais simples às mais complexas, passando por tratamentos muito sofisticados com “máquinas que custam milhões de euros” e por tratamentos biológicos, como a imunoterapia, um dos grandes avanços da oncologia.

Mas “desde que há cerca de 10, oito anos, houve uma maior racionalização da entrada dos novos medicamentos no sistema nacional de saúde as coisas estão melhores. No entanto, continuamos a ter algum atraso, que também é monitorizado, mas não é isso que está a condicionar os tratamentos”, declarou.

José Dinis explicou que ainda decorre “um tempo considerável” entre a aprovação dos fármacos pela Agência Europeia do Medicamento e a sua integração nos hospitais públicos, mas, afirmou, “as entidades estão a trabalhar nisso e estão a par destas dificuldades e Portugal também tem que melhorar alguma coisa nesta área”.

Mas, insistiu, “qualquer português pode-se sentir seguro” porque tem acesso aos melhores tratamentos, realçando que a taxa de sobrevivência do cancro “honra Portugal”, porque está acima da média europeia.

Sobre se a saída de especialistas do SNS tem tido impacto nos serviços de oncologia, o médico disse que são afetados como a generalidade do SNS porque os tratamentos oncológicos envolvem várias especialidades.

“Eu próprio, no meu serviço já senti isso. Neste momento, acho que sentimos todos de uma forma muito vincada nas várias especialidades envolvidas”, disse, sublinhando que as medidas políticas para travarem ou para inverterem esta situação competem ao Governo e não ao Programa para as Doenças Oncológicas.
Segundo os últimos dados do Registo Oncológico Nacional, foram diagnosticados 57.878 novos casos de cancro em 2020, um aumento de 19,3% face a 2010.

Questionado se estes números se poderão ter agravado nos últimos anos em que houve atrasos nos diagnósticos devido à pandemia de Covid-19, o oncologista explicou que é preciso aguardar pelos novos dados.

Mas questionou: “Porque é que a pandemia vai aumentar o número de diagnósticos? Não me parece, pelo menos de forma explosiva”.

Referiu que o que as pessoas temem é que as neoplasias diagnosticadas e que surgiram nesse período estejam em fases mais avançadas e que isso se traduza depois numa menor sobrevivência, mas disse que é preciso esperar, não sendo claro que isso vai acontecer.

Na véspera de se assinalar o Dia Mundial do Cancro, José Dinis apelou à população para adotar um estilo de vida saudável, evitando o tabaco, o sedentarismo, a exposição ao sol, moderar o consumo das bebidas alcoólicas e fazer uma alimentação saudável.

É na prevenção que está o ganho porque quando a doença se estabelece já estamos todos atrás do prejuízo com tudo que advém em termos de impacto físico, psicológico e às vezes até monetário”, salientou.
José Dinis lembrou que o doente oncológico não é só quem está doente, mas a família e muitas vezes as pessoas e os amigos que o rodeia.

Por isso, apelou às pessoas para estarem mais atentos à medida que a idade avança, para fazerem rastreios, porque o aumento da esperança de vida da população e, acima de tudo, os hábitos de vida levam a um aumento da incidência do cancro.