Uma “surpresa hipócrita”. É assim que Catarina Martins reage à notícia do incêndio no prédio da Mouraria, que fez dois mortos e 14 feridos, lembrando que já se sabia que a situação das condições “infrahumanas” em que muitos imigrantes vivem não era um exclusivo de Odemira e defendendo que se faça desde já um levantamento exaustivo de outras “tragédias” que estejam à espera de acontecer em Lisboa.

“Só está supreendido quem quiser estar surpreendido. Só não percebe o problema quem não quiser perceber”, atirou a coordenadora do Bloco de Esquerda nas jornadas parlamentares do partido, esta segunda-feira, à saída de uma reunião com a administração do hospital de Ovar.

A reunião era sobre Saúde, mas o Bloco quis marcar o dia com declarações sobre um tema que lhe é caro e frisar que é preciso, no rescaldo desta “tragédia terrível”, responsabilizar toda a cadeia que permite que situações destas aconteçam: “É preciso responsabilizar todos as que lucram com a exploração de trabalhadores migrantes, seja laboral, pela forma como ficam alojadas ou pela forma como ficam sujeitos a redes de tráfico humano”.

Mais indignada ficou ao ser questionada sobre as declarações do líder do PSD, Luís Montenegro, que esta segunda-feira lembrava o programa nacional para atrair imigração que o partido propôs e viu rejeitado no Parlamento, concluindo que com essa ferramenta seria possível “sabermos quem é que precisamos em Portugal, quem é que nós queremos em Portugal e para podermos acolher e integrar esses colaboradores do nosso desenvolvimento”.

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Declarações de uma “enorme hipocrisia”, disparou Catarina Martins. “Um país como Portugal, em que não há nenhuma família que não conheça quem emigrou, sabe como precisamos de tratar com humanidade e dignidade todas as pessoas. Acresce a enorme hipocrisia de se dizer coisas dessas quando a economia portuguesa está claramente a precisar de mão de obra”, atirou. “O problema não é as pessoas quererem trabalhar em Portugal, mas haver quem ganhe dinheiro à conta de quem vem para trabalhar e de os colocar em situações infrahumanas”.

E continuou a atacar a direita, acusando certas “forças políticas” de “acharem normal fazer de conta que há cidadãos de primeira e de segunda”, ou que há trabalhadores que podem ser úteis apenas para criar riqueza, “descartando depois os seus direitos”.

Entretanto, o Bloco já apresentou na Câmara Municipal de Lisboa um requerimento em que pergunta a Carlos Moedas se conhecia a situação e se sabe de casos semelhantes, para evitar “fazer de conta” que o problema era apenas de uma casa e de um proprietário em concreto.

“Podemos ficar surpreendidos quando daqui a quinze dias acontecer com uma casa ao lado. É preciso haver uma investigação séria sobre quem ganha com as condições infrahumanas em que trabalhadores migrantes são colocados. Não há surpresa para ninguém, há é um fechar de olhos conveniente até que a tragédia nos bate à porta”, rematou.

Todos os desalojados do incêndio na Mouraria são estrangeiros. Morreram duas pessoas e há 14 feridos

Casas estão vazias “pelo apetite da especulação”

Defendendo que “nenhum imigrante é ilegal” porque “as pessoas não são ilegais, podem é ter problemas de acesso a documentos”, a coordenadora bloquista ainda referiu o problema mais generalizado do acesso à habitação em Lisboa, recuperando propostas polémicas do partido nesta matéria.

“Há casas que estão vazias pelo apetite da especulação imobiliária e dos fundos de investimento”, atirou, considerando que em Portugal “as casas deixaram de ter como finalidade a habitação e passaram a ser ativos de especulação, ficando vazias quando há tanta gente a precisar de habitação”, disse.

Agora, diz o Bloco, “é preciso ter a coragem de romper com os fundos imobiliários e ir contra a especulação imobiliária”: “Julgo que já toda a gente reparou que este é um problema dos migrantes e da sociedade portuguesa”.

Nas declarações que fez aos jornalistas, Catarina Martins ainda teve tempo de se referir à situação do hospital de Ovar e da reorganização territorial que levará a que a população do concelho passe a ser referenciada para Aveiro ou Coimbra, mote para criticar as “decisões administrativas” do Governo que não fazem sentido “na folha de Excel nem na vida das pessoas”.

E ainda deixou mais um recado ao ministro das Infraestruturas, João Galamba, com quem tem mantido uma picardia desde há vários dias, via imprensa, sobre a TAP. Depois de o governante ter acusado a bloquista de não conhecer a situação da companhia aérea, Catarina Martins atirou: “Se calhar está muito confuso sobre o que quer. Mas isso é problema do ministro, não é meu”.

A “confusão”, continuou Catarina Martins, será sobre a decisão de, afinal, o Governo querer mesmo voltar a privatizar a TAP, assim como de manter os “prémios milionários” para a administração: “Isto é que é inexplicável e inaceitável”, concluiu.