Não é segredo que a Netflix está cada vez mais interessada em limitar a quantidade de contas com acesso aos seus conteúdos através da partilha de palavras-passe. Na semana passada, foram apresentadas, na página de ajuda da Netflix, algumas das ideias para tentar limitar essas partilhas. Além da verificação de dispositivos com recurso a códigos, falava-se também na necessidade de os subscritores ligarem-se à rede wi-fi da “localização principal” associada à conta pelo menos uma vez por mês.

Endereços IP e códigos de verificação. Como a Netflix se prepara para acabar com a partilha gratuita de contas

Do lado da Netflix, os pormenores não foram confirmados ou negados. Em resposta ao Observador, na semana passada, fonte da empresa reconhecia que, embora os “termos de utilização limitem a utilização da Netflix a uma residência”, a informação que constava da página era vista como “uma mudança para os membros que partilham a sua conta de forma mais ampla”. E no final da semana, meios como o The Verge ou o site The Streamable escreviam que, afinal, os detalhes que estavam a ser partilhados nessa página de ajuda não eram válidos para os mais de 100 mercados onde a empresa está presente. A estes dois meios foi enviado um comunicado assinado por Kumiko Hidaka, porta-voz da Netflix, com outra informação: “Durante um breve período, na terça-feira [31 de janeiro], um artigo do centro de ajuda tinha informação que só se aplicava ao Chile, Costa Rica e Peru e chegou às páginas de outros países. Desde então já o alterámos”. Nestes três mercados, a empresa está a testar, desde o ano passado, uma taxa extra por utilizador com acesso a uma conta mas que não viva na residência principal associada à subscrição.

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A Netflix está a estudar uma taxa pela partilha de senha entre pessoas que não vivem na mesma casa

O que diz agora a página da Netflix sobre a partilha de conta?

A principal alteração passou pelo retirar da indicação de que os subscritores têm de se ligar pelo menos uma vez a cada 31 dias à rede Wi-Fi associada à conta principal. Através do Internet Archive é possível consultar a página de ajuda da Netflix sobre a partilha de conta que inclui a tal referência à verificação a 31 dias. Não é, no entanto, possível encontrar neste arquivo a imagem do mesmo dia da versão portuguesa do site.

Página Netflix 31 de janeiro 2023

A página da Netflix sobre a partilha de contas a 31 de janeiro ainda mencionava a possibilidade de confirmação mensal

Agora, a referência a esta verificação mensal já não está disponível. Na página da Netflix dedicada à partilha de conta não há, no entanto, margem para dúvidas: “As pessoas que não vivem na mesma casa vão precisar de ter cada uma conta sua para ver Netflix.” E, nesse sentido, “quando um dispositivo de fora do seu lar se liga à conta ou é usado de forma persistente”, a empresa poderá “pedir para verificar os dispositivos ou mudar a residência da Netflix”, refere.

Por residência (em inglês é usada a palavra household) a Netflix entende todas as pessoas que vivem numa mesma casa – ou seja, que se liguem à mesma rede wi-fi, que tem um IP (protocolo de internet) concreto. Mas fica a ressalva de que “a Netflix não vai cobrar automaticamente caso se partilhe conta com alguém que não viva consigo”.

Já esta segunda-feira, contactada a propósito deste tema e das supostas alterações à página de ajuda, fonte oficial da Netflix remete para o último relatório de resultados da empresa, lembrando que “os subscritores terão à sua disposição funcionalidades adicionais, incluindo a possibilidade de reverem os dispositivos que estão a utilizar a conta e transferirem um perfil para uma nova conta.”

“À medida que lançamos o pagamento por contas partilhadas, os membros em muitos países também terão a opção de pagar mais se quiserem partilhar a Netflix com pessoas com quem não vivem. Não foi feita nenhuma comunicação nova ou oficial, pelo que daremos a conhecer os vários detalhes durante este processo”, acrescenta.

A empresa continua empenhada na “caça” à partilha de palavras-passe?

Sim. Recordando aquilo que é possível ler no comunicado de apresentação de resultados do quarto trimestre de 2022, o serviço de streaming inclui nas previsões para este ano o tema “paid sharing”, algo que pode ser traduzido por partilha paga.

“Como já notávamos na nossa carta aos acionistas do terceiro trimestre de 2022, as receitas são a nossa principal métrica, particularmente quando estamos a desenvolver fontes adicionais em que os membros são apenas uma componente do nosso crescimento (como a publicidade ou a partilha paga)”, explicava a companhia. Especificamente em relação à partilha paga, a Netflix indicava que esperava “lançar de forma mais alargada a partilha paga no primeiro trimestre de 2023”.

A empresa admitia que, a partir das lições que tirou da experiência na América Latina, esperava “alguma reação com cancelamentos nos mercados onde comece a lançar a partilha paga, algo que tem impacto no crescimento de utilizadores a curto prazo.” Mas a companhia admitia que, à medida que quem tem contas “emprestadas” comece a ativar a sua própria conta, o número de membros retomará o crescimento. A empresa fechou 2022 com 231 milhões de utilizadores, sendo atualmente o maior serviço de streaming do mercado.

Recentemente, lançou uma ferramenta que permite a transferência de perfis. Uma parte importante da fidelização dos membros da Netflix está ligada ao histórico: quantos mais conteúdos tiver visto e classificado, mais afinadas serão as recomendações. Até ao lançamento desta ferramenta de transferência, quem tivesse o perfil numa determinada conta da Netflix e depois tivesse de criar outra, pagando a sua própria mensalidade, perderia toda esta informação.

Netflix deixou de perder assinantes. Fim da partilha gratuita de contas pode estar mais próximo

Há seis anos a Netflix dizia que “amor é partilhar uma password”. O que mudou?

Em março de 2017, a Netflix publicou, na sua conta no Twitter, uma tweet que se tornou popular. O texto era simples e curto: “O amor é partilhar a password”, numa possível alusão à partilha de contas do serviço de streaming.

Mas, seis anos depois… Na carta aos acionistas referentes ao quarto trimestre de 2022, a Netflix dizia que a “ampla partilha de contas”, algo que estima que esteja a acontecer em mais de 100 milhões de residências, está a minar “a capacidade de investir e melhorar a Netflix no longo prazo, assim como de construir o negócio”. Daí esta ideia de lançar a partilha paga em mais países. Até ao momento não são conhecidos os planos sobre os primeiros mercados que vão arrancar com esta mudança.

Como é que a Netflix consegue saber a localização dos dispositivos?

A Netflix tem acesso a uma grande quantidade de informação para saber se os dispositivos estão a ser usados na mesma casa. “Usamos informação como o endereço IP, identificação dos dispositivos e informação da conta a partir dos dispositivos ligados”, explica a empresa na página de ajuda.

Já em relação à verificação de dispositivos, a Netflix explica que, a partir do momento em que alguém faça login numa conta que não está associada à residência “ou se a conta é acedida de forma persistente a partir de uma localização fora da residência”, poderá ser pedida uma verificação do dispositivo.

Como é que isto se faz? A Netflix vai mandar uma ligação para o endereço de email ou número de telefone que está associada ao “chefe” de família. A partir daí é transmitido um código de quatro dígitos, que tem de ser inserido no prazo de 15 minutos. Se deixar passar o tempo, será preciso um novo código. A Netflix explica que a verificação de dispositivo “poderá ser pedida de forma periódica”.

E o que acontece se precisar de ver Netflix em viagem?

Caso esteja em viagem ou fique durante um período mais longo fora daquilo que a Netflix considera ser a ligação wi-fi principal da conta, há diferentes soluções. Caso seja o dono principal da conta, “não deverá ser preciso verificar o dispositivo para ver Netflix”.

Já na possibilidade de “estar longe do lar Netflix por um período extenso de tempo, poderá ocasionalmente precisar de verificar os dispositivos”, explica a página da empresa.

Vale a pena lembrar que cada plano da Netflix dá acesso a um número diferente de dispositivos em que é possível ver conteúdos ao mesmo tempo. O plano básico (em Portugal custa 7,99 euros por mês) só deixa ver um ecrã de cada vez; o plano Standard (11,99 por mês) dá acesso a dois dispositivos em simultâneo e o Premium, com a mensalidade mais cara, de 15,99 euros, dá acesso a quatro ecrãs ao mesmo tempo.