Numa manhã que mais parecia um arranque de campanha, o Bloco de Esquerda andou na rua, mais concretamente na feira de Espinho, a prometer respostas: desde logo, respostas aos casos que têm gerado sucessivas polémicas no Governo, e que os bloquistas querem resolver com três novas propostas de combate ao “choque popular” com as notícias de “promiscuidade” entre política e negócios que “minam a democracia”.

No final da visita, Catarina Martins encarregou-se de apresentar os novos projetos, todos focados em situações muito concretas. Desde logo, uma proposta para responder à polémica que envolveu a ministra da Coesão, Ana Abrunhosa, dado que o marido detém empresas que beneficiaram de milhares de euros de fundos europeus, quando a ministra já tutelava as entidades responsáveis pela gestão desses mesmos fundos.

Agora, o Bloco quer impedir que os familiares de governantes possam candidatar-se a essas verbas: “Ninguém percebe que os familiares não possam fazer contratos normais com o Governo mas possam candidatar-se a fundos”, defendeu a coordenadora do Bloco.

A segunda proposta tem a ver com outro caso de uma ex-governante, a antiga secretária de Estado do Turismo, Rita Marques, que saiu do Executivo e teve um convite para trabalhar numa empresa, gerindo um projeto ao qual tinha concedido benefícios há menos de um ano.

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Neste caso, depois de muita polémica e de até o primeiro-ministro ter feito a sua avaliação jurídica (no Parlamento, António Costa disse ter “99,9%” de que a situação era ilegal), Rita Marques acabou por desistir de assumir as novas funções — se não o tivesse feito, a consequência seria apenas ter de ficar afastada durante três anos de cargos públicos.

Ora o Bloco quer parar o que considera uma “porta giratória terrível”: segundo o projeto dos bloquistas, quando um ex-governante quiser ir trabalhar para uma empresa onde não trabalhava originalmente, terá de informar a Entidade da Transparência (que ainda não está em funcionamento) para saber se isso é compatível com o cargo que desempenhou no Executivo. Além disso, deverá ficar impedido durante oito anos, em vez dos atuais três, de voltar a exercer cargos públicos, de forma a que punição seja mais “dissuasora”.

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Bloco quer mais proteção para denunciantes

A terceira iniciativa dos bloquistas tem a ver com outro caso específico, desta vez não no seio do Governo, mas que atira diretamente à Operação Vórtex, que envolve vários autarcas e tem o epicentro precisamente em Espinho — um município cujo autarca, Miguel Reis (PS), foi mesmo detido e teve de renunciar ao mandato, num caso que também atingiu o PSD, com o vice da bancada Joaquim Pinto Moreira a suspender o mandato de deputado, depois de ter sido alvo de buscas.

Neste ponto, o que o Bloco quer é reforçar a proteção dos trabalhadores das autarquias que denunciam estes casos, e que neste momento não podem, na condição de denunciantes, ser despedidos durante dois anos — ora, sendo os mandatos autárquicos de quatro anos, o Bloco quer alargar essa proteção de forma a cobrir um mandato inteiro.

Ou seja, a ideia do Bloco passa por dar resposta aos vários casos concretos defendendo que quer reforçar a “ética republicana” e que, já que essa não foi suficiente, é preciso inscrever as regras na lei. “A ética não se mede pela lei, mas se é preciso reforçar a lei para exigir esses princípios também o fazemos. É um fator muito importante de credibilidade da democracia e de coesão do próprio país, e é por isso que apresentamos propostas onde houve falhas”, explicou Catarina Martins.

Explorando, assim, a multiplicação de casos no Governo e não só, a líder bloquista lembrou que o país “fica chocado com certos regimes de privilégio” e que esse descontentamento se alastra com particular facilidade num momento em que o custo de vida aumenta.

E, nesse ponto, Catarina Martins disparou: a inflação — e a falta de combate aos seus efeitos — está a provocar “uma situação sem paralelo há trinta anos” e há uma escolha do Governo de “criar uma crise” em vez de responder de uma de duas formas: controlar preços ou subir pensões e salários.

Nomeadamente os dos professores e funcionários públicos: neste arranque das jornadas, que vão decorrer em vários pontos do distrito de Aveiro até terça-feira, Catarina Martins também aproveitou para atacar a resposta que o Governo está a dar aos protestos dos professores, apontando a mira às Finanças.

“É natural que os sindicatos tenham dificuldade em perceber onde vão levar umas negociações em que o ministro da Educação diz que quer negociar e o das Finanças diz que não há margem de negociações. É absurdo”. Ficava estabelecido o tom para estas jornadas, dois dias que o Bloco se dedicará a sinalizar nas ruas tudo aquilo em que o Governo tem falhado.