Pelos corredores do centro comercial Brasília, no Porto, já se ouve o barulho das máquinas. Em quase 47 anos de existência, é a primeira vez que o shopping mais antigo da Península Ibérica está a ter obras de reabilitação. A empreitada, que arrancou no final de janeiro, custou cerca de 530 mil euros e vai permitir renovar e melhorar o centro comercial. Os lojistas, dos mais velhos aos mais recentes, acreditam que o Brasília vai ganhar uma nova vida com as mudanças. “Espero que seja tudo melhorado. Estou otimista. Acho que as obras vão ajudar a melhorar isto”, conta Sara Silva, proprietária de um estabelecimento que está neste centro comercial praticamente desde o início.

Entre as principais novidades desta empreitada está a remoção da escadaria metálica que existe na parte central e a criação de uma “pequena praceta” destinada a receber vários eventos. Também a iluminação vai ser melhorada, haverá rede wifi, as casas de banho vão ser remodeladas e vão ser utilizados mais painéis solares, com o objetivo de tornar o edifício mais moderno e sustentável, aproveitando também o potencial de estar localizado a poucos metros da Casa da Música e numa zona de bastante movimento.

“Vamos criar um shopping mais moderno e também vamos ter um visual mais clean, mais arejado, sem o ruído visual que neste momento o shopping tem, com muitos alumínios e no meio de publicidades antigas. Isso vai ser tudo limpo”, explica ao Observador Luís Pinho, administrador do Brasília. O investimento de meio milhão de euros nestas obras, acrescenta, veio inteiramente das poupanças da administração do condomínio, sendo que neste momento o espaço tem 190 das 243 frações ocupadas.

O caminho para chegar aqui, no entanto, foi longo. Num espaço que, apesar de nunca ter fechado portas, estava semi abandonado, o projeto de requalificação começou a ser pensado em 2018, sendo que a empreitada só foi aprovada quatro anos depois, em setembro de 2022. “O difícil foi haver um consenso para as obras, porque, no fundo, isto são 170 proprietários, cada um tem os seus interesses e, por isso, foi difícil conseguir que toda a gente ou a maior parte das pessoas remassem para o mesmo objetivo. Foram cinco anos e dez assembleias gerais de condóminos que foram necessárias para chegar aqui”, relembra Luís Pinho.

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Pelo meio, houve um concurso lançado aos alunos da Escola Superior de Artes e Design (ESAD) e da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP), para que os alunos pudessem contribuir com ideias para inovar o espaço, sendo que a execução do projeto ficou a cargo do arquiteto João Ferros. Apesar das inovações, o objetivo é também manter a essência do Brasília e aquilo que o torna diferente dos restantes centros comerciais.

O Brasília foi o primeiro centro comercial da cidade do Porto a ter escadas rolantes (Osvaldo Costa)

Além de manter características únicas do espaço, como as míticas escadas rolantes que foram as primeiras num centro comercial do Porto, ou os espelhos bronze que estão nas traseiras do centro comercial, os responsáveis querem também manter a autenticidade do próprio funcionamento do Brasília: “Queremos sair um pouco deste rótulo de shopping center e entrar mais num rótulo de edifício multifuncional, porque este edifício tem muitas funções, não é só de lojas comerciais. Temos comércio, mas também temos ateliers, pintores, advogados, arquitetos, gabinetes de engenharia…temos uma panóplia de serviços que funcionam. Isto é quase uma mini cidade”.

Para Frederico Pacheco, responsável do marketing do Brasília, o conceito do centro comercial passa por ser “uma zona de abrigo do comércio tradicional, de lojas de nicho e de especialidade“, uma vez que “dadas as características naturais” do espaço, “estas lojas de especialidade vingam no Brasília”. Os responsáveis acreditam que vão surgir novos negócios com esta remodelação, mas também “negócios que já existam na cidade vão querer também estar no shopping, mas sempre com esta orgânica de comércio tradicional”.

A par das obras, foi também lançado um desafio para os fotógrafos e videógrafos captarem esta fase de transformação e renovação do Brasília, o “Narrativa Challenge”.

Dos novos aos antigos, comerciantes têm esperança no futuro

Entre os comerciantes que estão no Brasília, as obras de reabilitação vieram trazer alguma esperança no futuro do espaço, seja dos mais antigos aos mais recentes. Sara Silva é proprietária da loja “Strassa”, estabelecimento que está há 43 anos neste centro comercial da zona da Boavista. No início, conta a responsável, “era tudo muito diferente”. “Naquela altura era muita gente, muitas lojas. Como foi o primeiro, era a loucura das escadas rolantes. Eram autênticas excursões e ao fim de semana as pessoas vinham passear ao Brasília e fazer compras também”, recorda.

Agora, o cenário é outro. Os grandes centros comerciais “abafaram um pouco a cidade e também a zona da Boavista” e os clientes que por aqui passam são os habituais, que já conhecem o espaço. Os que aqui chegam de novo “ficam admirados por isto ainda estar aberto”, conta. Ainda assim, a lojista está otimista quanto ao futuro.

“Espero que seja tudo melhorado. Estou otimista. Acho que as obras vão ajudar a melhorar e o fim de 47 anos isto bem precisava. Também é importante arranjar um nicho de mercado, umas lojas diferentes para ver se isto vai para a frente”, sublinha.

As obras de requalificação do Brasília arrancaram na semana passada e têm um custo de mais de 500 mil euros (Osvaldo Costa)

Para os negócios mais recentes que se instalaram neste centro comercial as obras de remodelação também trazem alguma esperança. Inês Coimbra é proprietária de um estúdio de tatuagens, estética e piercing que se mudou em agosto do ano passado para este espaço. Em primeiro lugar porque precisava de algo mais espaçoso e com menos limites de horários e, em segundo lugar, “por ser o Brasília”. “É um espaço icónico. Lembro-me de vir aqui com a minha mãe fazer as compras de Natal, ainda não existia a baixa”, recorda a lojista.

Inês vê as obras com bons olhos e espera “que fique um espaço mais moderno e mais chamativo, tanto para clientes como para lojistas”. “Que seja bom para os empresários quererem investir aqui. Acho que há um certo receio — eu também o tinha — porque a Boavista passou a ser um local de escritórios, mas a verdade é que eu antes estava na Trindade à porta da rua e sinto muito mais gente de passagem aqui do que na Trindade, por exemplo”, explica, acrescentando que está “otimista com o futuro do Brasília e da Boavista também”.

A empreitada deverá terminar em outubro deste ano, sendo que as obras serão faseadas e não envolvem o encerramento do centro comercial. “Acho que o Porto já se tinha esquecido um bocado do Brasília, mas o Brasília é muito resiliente e manteve-se. Pode estar um pouco adormecido, mas basta um bocadinho mais de impulso e os portuenses vão aderir a este conceito”, salienta Luís Pinho.