Mais de um mês depois de Alexandra Reis ter pedido a demissão do cargo de secretária de Estado do Tesouro por causa da indemnização que recebeu da TAP, o percurso da antiga governante socialista continua a levantar dúvidas. Desta vez, é a passagem de Alexandra Reis pela Navegação Aérea de Portugal (NAV) que motivou uma ação judicial contra Portugal na Comissão Europeia.

A consultora SkyExpert, especializada em transporte aéreo, aeroportos e turismo, entregou esta sexta-feira, em Bruxelas, uma queixa contra o que diz ser um “alto conflito de interesses” e um desrespeito pela “imparcialidade” na nomeação da antiga administradora da TAP para a presidência da NAV, em 2022. Em declarações à Rádio Observador, Pedro Castro, fundador e diretor da SkyExpert, defende que esse “conflito de interesses” está sustentado por “evidências e duas sentenças anteriores”.

SkyExpert faz queixa à UE sobre a NAV: “Entidade reguladoras estão minadas pelo Estado”

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Na origem deste processo estão duas condenações prévias do Tribunal de Justiça Europeu (TJE) contra Portugal, em 2016 e 2018, relacionadas com o regulamento europeu sobre a atribuição das faixas horárias de descolagem e aterragem nos aeroportos da União Europeia.  Em comunicado, a SkyExpert explica que, inicialmente, Portugal foi condenado e multado por Bruxelas considerar que a entidade então responsável pela atribuição de slots nos aeroportos nacionais “não respeitava as características obrigatórias” da legislação europeia, que define que esta função deve ser assegurada por “entidades independentes, imparciais, transparentes e não discriminatórias”. Foi, também, condenado, mais tarde, por “não ter feito as alterações legislativas e institucionais necessárias para estar conforme ao regulamento”.

“O Governo apenas corrigiu esta situação em 2020 quando, numa tentativa de cumprir as sentenças, nomeia a NAV como a entidade para atribuir estas faixas horárias, reconhecendo a esse órgão essas características de ser neutra e não discriminatória “, explica Pedro Castro. No entanto, continua, “o que o Governo fez foi justamente o contrário, utilizou o Conselho de Administração da NAV para nomear um ex-membro do Governo como vogal [ndr: Pedro Ângelo, antigo chefe de gabinete do Secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, que se mantém em funções na NAV] e nomear também uma ex-administradora da TAP.”

Essa ex-administradora é Alexandra Reis, que assumiu a presidência da NAV por apenas cinco meses (entre julho e novembro de 2022), depois de ter saído da transportadora aérea portuguesa com 500 mil euros de indemnização. O pagamento polémico levou à demissão de Alexandra Reis do cargo de secretária de Estado do Tesouro, apenas 25 dias depois de tomar posse e, também, à saída do ministro das Infraestruturas. Quase um mês depois de abandonar o Governo, Pedro Nuno Santos revelou que, afinal,  deu luz verde à indemnização. É uma cronologia de eventos que vai estar em análise na comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP, proposta pelo Bloco de Esquerda e, entretanto, aprovada no Parlamento.

Alexandra Reis, uma demissão relâmpago milionária

A TAP é aquela que mais slots tem no aeroporto de Lisboa e, por isso, a mais interessada”, defende Pedro Castro. “Ao nomear este tipo de perfis [ndr: Alexandra Reis e Pedro Ângelo] para o Conselho de Administração da NAV, obviamente, estamos a dar a volta à questão da neutralidade, imparcialidade e não discriminação”, acusa ainda. O especialista em gestão turística afirma também que a gravidade deste caso é acrescida pelo facto do regulador do setor, a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), “também ela ter um Conselho de Administração nomeado pelo mesmo ministério”.

“Nós temos um ministério das Infraestruturas que é, simultaneamente, Governo, operador económico através da TAP e quem tutela e nomeia todas estas entidades, importantes para guardar a imparcialidade no setor”, sublinha Pedro Castro. “Voltamos à estaca zero em relação às sentenças do TJE”.

O fundador da SkyExpert admite que avaliação da Comissão Europeia será demorada e não vai ter resultados nos próximos meses. Ainda assim, sublinha que o objetivo desta queixa é, acima de tudo, alertar os meios de comunicação e o executivo socialista para próximas nomeações e, assim, “evitar uma nova instrumentalização político-partidária” desta entidade. “A NAV continua sem presidente do Conselho de Administração e, certamente, não será indicado ter no cargo um ex-administrador da TAP ou um ex-membro do Governo”, lembra Pedro Castro, “até porque, nesta matéria, o Governo não é parte desinteressada, é sim um operador económico“.

“Não é tanto Alexandra Reis, mas este caso põe uma vez mais em causa uma atuação que quase roça o nepotismo por parte do ministério das Infraestruturas”, desabafa.

O fundador e diretor da SkyExpert alerta também que, por causa da sucessão destes casos, há vários agentes económicos que têm “medo de recorrer a reguladores como a ANAC” porque “temem represálias“. “Não podemos viver num setor onde quer entidades supostamente neutras, quer as que as regulam, têm este tipo de comportamentos”.