Os vereadores da oposição na Câmara de Lisboa rejeitaram esta quarta-feira a moção proposta pela liderança PSD/CDS-PP para instar o Governo a implementar “uma verdadeira descentralização em matéria de habitação”, no âmbito do programa Mais Habitação.

Em reunião pública do executivo camarário, a moção apresentada pela liderança PSD/CDS-PP, que governa sem maioria absoluta, tendo apenas sete eleitos entre os 17 membros que integram câmara, foi chumbada com “total união” dos vereadores da oposição, nomeadamente do PS (quatro), Cidadãos Por Lisboa (dois vereadores eleitos pela coligação PS/Livre), PCP (dois), BE (um) e Livre (um).

“O Governo, num exercício de centralismo serôdio, anunciou o programa Mais Habitação, que assenta numa lógica maniqueísta que oscila entra a imposição e a proibição, sem ter sentido a necessidade de ouvir as autarquias, quando é certo que algumas das medidas têm impacto direto na atividade autárquica e bem se sabendo que o problema da habitação não se resolve sem um sério envolvimento do poder local”, apontou a liderança PSD/CDS-PP, na moção “por uma verdadeira descentralização em matéria de habitação”.

Antes da votação, no período antes da ordem do dia, o tema da habitação foi levantado pela vereadora do PS Inês Drummond, que lamentou a reação do presidente da câmara, Carlos Moedas (PSD), ao programa Mais Habitação, anunciado na quinta-feira pelo Governo, considerando que o autarca se “precipitou na crítica fácil, foi incapaz de somar contributos, acrescentar ideias e propor soluções”.

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Entre as medidas propostas pelo Governo, que se encontram em discussão pública durante um mês, a socialista destacou o controlo do valor das rendas e a suspensão de novas licenças de alojamento local, indicando que “em Lisboa existem 20.158 licenças de alojamento local registadas nas principais plataformas, como o Airbnb ou o Booking”, o que “representa 6,5% do total de casas na cidade”.

Para a vereadora socialista, as casas destinadas a alojamento local criaram “uma escassez que ajudou a inflacionar os preços das casas até ser incomportável para as classes médias encontrarem casa”.

Em resposta à vereadora do PS, o presidente da câmara considerou “extraordinário” que seja acusado de fazer “uma crítica fácil ao Governo quando este Governo apresenta um pacote de habitação sem consultar as autarquias, sem consultar Lisboa”.

“É algo que foi impensável, que nunca pensei que poderia acontecer, que era um Governo apresentar um pacote de habitação sem nunca ter uma palavra, uma chamada, uma atenção, nem que fosse para fingir, telefonar ao presidente da câmara e dizer ‘olhe, o que é que pensam sobre isto?'”, manifestou Carlos Moedas.

Sobre o pacote de medidas do Governo, o vereador do PCP João Ferreira afirmou que “não há nada ali que aponte para a perspetiva de uma resolução séria, efetiva, cabal, imediata” para responder à crise da habitação, considerando que essas propostas continuam “sem enfrentar a especulação imobiliária” e “sem mobilizar os recursos públicos que eram necessários, e que é possível mobilizar, para reforçar o parque habitacional público”.

Contra a moção da liderança PSD/CDS-PP, por considerar que “não é aceitável promover qualquer tipo de responsabilização do Estado central” em matéria de habitação, João Ferreira disse que, apesar de concordar que “o Governo não faz bem”, o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, “está a fazer ainda pior”.

“Com toda a franqueza, aquilo que está a ser feito em Lisboa, no domínio da habitação, é um retrocesso face ao que existia, que já era insuficiente”, indicou o vereador do PCP, considerando que “há muita propaganda”, mas que não coincide com concretização.

A vereação do PCP apresentou uma moção para instar o Governo a tomar “medidas efetivas de proteção da habitação própria face ao aumento dos encargos com o crédito à habitação”, que foi rejeitada, com os votos contra de PSD/CDS-PP e PS, a abstenção dos Cidadãos Por Lisboa e os votos a favor de PCP, BE e Livre.

A vereadora do PS Inês Drummond criticou ainda as declarações da vereadora da Habitação, Filipa Roseta (PSD), de que a autarquia “só irá construir em bairros degradados da cidade” e irá priorizar a construção de habitação acessível no Beato, “num sítio marcado pela criminalidade e pela droga”.

Para o PS, essa declaração “é absolutamente irresponsável” e “reproduz estereótipos sociais”.

“A senhora vereadora [da Habitação] disse que não vai cumprir a deliberação da câmara de construir 400 casas para arrendamento acessível no loteamento do Alto do Restelo, assumindo, publicamente, o incumprimento de uma decisão de um órgão máximo da câmara (…). Isso é gravíssimo. Os vereadores com pelouro não se podem comportar como os donos disto tudo, ignorar as regras da democracia e as deliberações da autarquia para a qual trabalham”, declarou a socialista.

Em resposta, Filipa Roseta indicou que a primeira Carta Municipal de Habitação, que será apresentada na quinta-feira, mapeou 34 zonas prioritárias de intervenção, que são as mais degradadas por toda a cidade, onde será canalizada a verba de 400 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), e explicou que, quando se referiu ao Beato, falava especificamente da urbanização do Casal do Pinto, “um território completamente abandonado e totalmente municipal, que, infelizmente, é marcado pela criminalidade”.

A vereadora da Habitação disse que a habitação acessível no Restelo “já não vai a tempo do PRR”, mas o projeto será para fazer, referindo que a última década foi a que registou a pior execução do século nesta matéria, pelo que “é muito difícil fazer pior”, indicando que a empresa municipal Gebalis executou 327 casas em 2022 e prevê 600 casas este ano, no âmbito da reabilitação das 830 habitações realmente vagas.