“‘Quem é o primeiro All-Black gay?’ Sabes que há um, mas qual?”. É desta forma que Campbell Johnstone, antigo jogador de râguebi de seleção neozelandesa, enquadra o olhar da sociedade do país da Ocêania sobre o tema. Uma pressão que, durante anos, o impediu de assumir quem era. “Não estava 100% confortável”, assume.

Isso mudou. Agora, Johnstone, que se retirou em 2014 e tem atualmente 43 anos, diz estar pronto para “quebrar o estigma”. Foi desta forma que, no final de janeiro, se assumiu como homossexual, num marco histórico para o desporto neozelandês. “Se puder ser o primeiro All Black a assumir-se como gay e eliminar a pressão e o estigma em torno do assunto, então posso ajudar outras pessoas”, disse o ex-atleta numa entrevista a 30 de janeiro.

É uma pressão duplamente sentida, não apenas devido à questão da homossexualidade propriamente dita, mas também ao tabu que ainda envolve o assunto no mundo do desporto — mais a mais um desporto tão associado a valores tradicionais de força e virilidade masculina como o râguebi.

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“Sentia-me entre a espada e a parede”, contou Johnstone à CNN Internacional, numa entrevista na quinta-feira em que discutiu o impacto do seu anúncio. “De um lado este jogo que amava e adorava praticar, mas em que ao mesmo tempo não podia ser eu mesmo. Sentia que estava a viver uma vida dupla, basicamente.

Essa vida dupla durou mais de uma década — de 2002 a 2014, período durante o qual fez do desporto vida e carreira. Jogou na Nova Zelândia até 2009 e, depois, passou vários anos no râguebi francês. Pelo meio, em 2005, cumpriu um sonho de infância ao alinhar pela seleção do seu país, os famosos All Blacks, em três ocasiões.

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Johnstone (à esquerda com a bola) representou por três vezes a seleção da Nova Zelândia

O sucesso profissional, no entanto, escondia o dilema interno que vivia. Johnstone admitiu que durante anos tentou negar a sua sexualidade e que chegava mesmo a culpar esse seu lado sempre que jogava mal. “Não se enquadrava na minha imagem e não fazia parte dos meus planos”.

À medida que se foi aceitando a si mesmo, foi “abrindo o jogo” e confidenciou o seu segredo à família e a amigos e colegas próximos. O apoio do seu círculo íntimo não lhe faltou e, durante vários anos, isso foi suficiente — até porque, como o próprio assume, é uma pessoa “bastante privada”.

Agora, resolveu dar o próximo passo, como o próprio explica: “Estava feliz e fortalecido na minha vida privada e pensei ‘ok, vamos falar sobre o assunto e acabar com o estigma'”.

As reações surpreenderam-no, pela positiva. Ruby Tui e Aaron Smith, dois atuais All-Blacks, elogiaram o anúncio de Johnstone, e o ministro do Desporto neozelandês Grant Robertson (também ele abertamente homossexual) agradeceu ao ex-atleta a coragem em “trilhar um novo caminho” e inspirar gerações futuras.

Tantas pessoas mandaram mensagens de apoio. Centenas de pessoas mandaram mensagens a contar as suas histórias e as suas dificuldades, e o quão gratificante foi para elas ouvir-me a falar e a assumir-me. Desse ponto de vista tem sido esmagador e muito positivo”, contou.

Com o anúncio, Johnstone juntou-se a um grupo ainda muito restrito de profissionais do râguebi a assumirem a sua homossexualidade. Antes dele, apenas o ex-árbitro Nigel Owens se tinha assumido em 2007, seguido, dois anos depois, do antigo internacional do País de Gales Gareth Thomas. Ambos confessaram ter pensado suicidar-se em vários pontos da sua vida.

Já o antigo All Black mostra-se otimista quanto ao futuro, “desde que os treinadores e os jogadores sejam abertos e estabeleçam redes de apoio que acarinhem os jogadores dentro da equipa”. Para já diz já ter visto vários desenvolvimentos positivos. “O râguebi é uma cultura viva e que está sempre em evolução, e acho que está a progredir na direção certa”.

“Não me quero esconder mais.” Jakub Jankto, internacional checo, assume homossexualidade