A leitura da sentença do recurso da Lusitânia e da Zurich às coimas aplicadas pela Autoridade da Concorrência por cartelização foi adiada esta terça-feira, 28 de fevereiro, para depois de 15 de março, devido à greve dos funcionários judiciais.

A juíza Mariana Gomes Machado, do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, fez questão de dar uma explicação pessoalmente aos intervenientes no processo, salientando que, na ausência da funcionária que habitualmente assegura as diligências deste processo, não foi possível proceder à leitura da sentença.

“Nada se faz sem eles”, disse Mariana Machado, apontando esta situação como um exemplo da “essencialidade” dos funcionários judiciais.

Um pequeno grupo de funcionários do Palácio da Justiça II de Santarém, onde funcionam, além do TCRS, tribunal de âmbito nacional, as secções centrais cíveis, de comércio, do trabalho e de família e menores da Comarca de Santarém, concentraram-se em frente ao edifício, com ‘t-shirts’ negras com a inscrição “Justiça para quem trabalha!” e folhas brancas com a frase, a negro, “Filhos da (in)justiça”.

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Em declarações aos jornalistas, reafirmaram o que os leva a permanecerem numa greve que se tem prolongado no tempo — além da convocada pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça, desde o passado dia 15 e até 15 de março há greve a determinados atos decretada pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais — e a escolherem diligências que deem “mais visibilidade” para realizarem este tipo de protesto.

A questão do estatuto, que se encontra “na gaveta” desde 1999, ou a exigência de disponibilidade constante, além do horário de trabalho, sem “qualquer reconhecimento ou compensação”, já que os funcionários judiciários não são pagos por horas extraordinárias, foram algumas das situações referidas por Dília Canais.

Hélder Roseiro, escrivão auxiliar da secção do TCRS, onde, num quadro de 12, apenas existem seis funcionários para oito magistrados (quatro judiciais e quatro do Ministério Público), salientou a falta de perto de 2.000 funcionários judiciais no país, a par da carência de meios e de condições.

“Prestamos um serviço necessário à comunidade, que exige resposta célere”, disse, salientando que “a morosidade na Justiça não tem a ver com os funcionários”, mas sim “com a legislação aprovada na Assembleia da República e com a falta de meios”.

Carolice, amor à camisola, brio profissional, consciência, sentido de abnegação, foram algumas das expressões mais ouvidas, com vários dos funcionários presentes no protesto a referirem que, mesmo em greve, têm sido realizadas diligências e tomadas iniciativas “à revelia da lei da greve” — como o aviso prévio a pessoas com dificuldades para que não se desloquem ao Tribunal. “Hoje estamos aqui, amanhã vamos ter de compensar”, disseram.

Entre as muitas queixas, referiram a exigência de dever de permanência e exclusividade, que os obriga, mesmo em férias, a estarem contactáveis e disponíveis no imediato caso sejam chamados, “o que não existe em mais nenhum estatuto profissional”.

Dília Canais afirmou que, embora seja escrivã de direito de segundo escalão, aufere entre 1.300 e 1.400 euros mensais, um salário “de topo”, que não lhe deixa margem para gozar férias fora de casa, já que só o pode fazer nas férias judiciais, nos períodos de pico, em que os preços são mais caros.

A média de idades dos funcionários judiciais, superior a 50 anos, foi outra questão referida, com vários funcionários a sublinharem que os mais jovens fogem desta carreira, pedindo mobilidade para outras assim que conseguem entrar nos concursos.

O TCRS deveria dar esta terça-feira a conhecer a sua decisão sobre os recursos apresentados pela Lusitânia, pela Zurich, dois administradores e dois diretores destas seguradoras às coimas superiores a 42 milhões de euros, que lhes foram aplicadas em 2019 pela Autoridade da Concorrência (AdC).

Cartel das seguradoras. Ministério Público pede absolvição da Zurique e redução da coima da Lusitânia

A abertura da investigação ocorreu em maio de 2017, na sequência de um requerimento de dispensa ou redução da coima (pedido de clemência) apresentado pela Seguradoras Unidas, à AdC, no que foi seguida pela Fidelidade — Companhia de Seguros e pela Multicare — Seguros de Saúde, tendo sido emitida uma nota de ilicitude em agosto de 2018 contra cinco seguradoras.

Segundo a acusação, as empresas envolvidas no cartel combinavam entre si os valores que apresentavam a grandes clientes empresariais na contratação de seguros de acidentes de trabalho, saúde e automóvel, apresentando sempre valores mais altos, para que o cliente se mantivesse na seguradora já contratada.