Grupos de vítimas e organizações de proteção de crianças em toda a Europa lançaram na semana passada a recolha de assinaturas para uma petição a Bruxelas com o objetivo de reforçar a legislação da União Europeia no que diz respeito à proteção das crianças.

“O objetivo é, em particular, reforçar a legislação na área da violência sexual online”, diz um comunicado enviado ao Observador pelos promotores da iniciativa em Portugal, que reúne múltiplas instituições europeias — incluindo o Instituto de Apoio à Criança, a organização fundada na década de 1980 pela então primeira-dama Manuela Eanes.

O objetivo concreto é o de recolher, até 7 de março, pelo menos 100 mil assinaturas nos 27 países da UE. Mas, de acordo com os promotores da iniciativa em Portugal, a campanha continuará ativa no país até agosto, com diferentes iniciativas na antecipação da visita do Papa Francisco a Portugal por ocasião da Jornada Mundial da Juventude.

A petição europeia foi lançada pela Justice Initiative, no âmbito da Fundação Guido Fluri, “que se dedica à luta contra o abuso sexual de crianças em toda a Europa”, diz o comunicado.

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Segundo os organizadores da petição, o abuso de menores no contexto digital é uma das principais preocupações das várias organizações que se dedicam à proteção das crianças no território europeu. “A distribuição online de material de abuso sexual infantil está a crescer exponencialmente”, diz a nota, acrescentando que de 1 milhão de relatos em 2010 se passou para 32 milhões em 2022, o “que incluiu 88 milhões de imagens e vídeos”. O comunicado acrescenta ainda que 85% deste material está alojado em servidores no território da UE.

“A Europa está a tornar-se um centro de distribuição de imagens de violência sexual na Internet e a única forma de o impedir é através da diminuição do fluxo a partir da fonte, nos fornecedores de serviços de Internet”, dizem os organizadores da petição.

“Por detrás de cada imagem há um abuso. E por detrás de cada abuso está o sofrimento de uma criança”, diz o fundador da Justice Initiative, Guido Fluri. “Por um lado, os sobreviventes de violência sexual devem receber mais apoio. Por outro lado, trata-se de impedir que as crianças continuem a ser vítimas de abuso. Exigimos que a União Europeia assuma uma posição de liderança global e vote a favor da atual proposta legislativa para prevenir e combater o abuso sexual de crianças, para que possamos proteger todas as crianças e adolescentes, e fazer justiça aos sobreviventes.”

Concretamente, a petição pede “que a UE intensifique os seus esforços para apoiar e ajudar os sobreviventes de abuso sexual de crianças” através de um conjunto de medidas, algumas delas já contidas num regulamento proposto em 2022 pela Comissão Europeia, mas ainda não adotado por Bruxelas.

A petição inclui a “adoção das obrigações propostas aos prestadores de serviços online para prevenir, detetar, denunciar e eliminar o abuso sexual de crianças online, pôr termo à vitimização renovada e contínua dos sobreviventes e permitir o rápido resgate das vítimas de abusos em curso ou iminentes”, bem como a “criação do Centro da UE proposto para prevenir e combater o abuso sexual de crianças, com poderes para facilitar a assistência e o apoio eficazes aos sobreviventes em toda a União”.

Os peticionários apelam ainda à UE para que “inclua na futura revisão da Diretiva de 2011 relativa às obrigações dos Estados-Membros em matéria de combate ao abuso sexual de crianças” um conjunto de propostas, como “a garantia de que existem mecanismos eficazes de denúncia de abuso sexual de crianças e a utilização de instrumentos de investigação eficazes para identificar as vítimas e resgatá-las o mais rapidamente possível dos abusos em curso”.

Além disso, é também pedida “a garantia de que a prescrição legal em casos de abuso de crianças seja prolongada até ao máximo possível”, “o reconhecimento oficial dos sobreviventes que tenham sofrido qualquer forma de abuso ou exploração sexual de crianças” e “a conformidade com as melhores normas e práticas internacionais relativas ao reconhecimento, reavaliação e desculpa de abusos passados e formas de reparação”.

De acordo com o comunicado enviado ao Observador, a iniciativa já recolheu a simpatia da própria Comissão Europeia. Antonio Labrador Jimenez, um dos responsáveis da Comissão Europeia pelo desenho das políticas de proteção das crianças, defende que a petição da Justice Initiative “ajudará a chamar a atenção para os problemas que a legislação [da UE] visa resolver”.

A petição, com o envolvimento do Instituto de Apoio à Criança, surge num momento em que os abusos sexuais de crianças voltaram a estar na ordem do dia em Portugal, depois de uma comissão independente ter investigado e publicado um relatório sobre o fenómeno dos abusos de menores no contexto da Igreja Católica em Portugal. O relatório do grupo de trabalho, que foi liderado pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, dá conta de que 512 testemunhos de abuso foram validados pela comissão, o que permitiu ao grupo estimar uma rede de 4.815 vítimas potenciais durante o período 1950-2022.

Abusos na Igreja. Relatório da comissão é apenas a ponta do “icebergue”. Tudo começa agora