Esta quarta-feira, dia 8 de março, Mikolaj Filiks completaria 16 anos. Em vez disso, vai ser velado pela mãe e pelas irmãs, Aleksandra e Maja, na capela do cemitério central de Szczecin, a cidade polaca a menos de 15 quilómetros da fronteira com a Alemanha onde cresceu e onde, no dia 17 de fevereiro, decidiu pôr termo à vida.

A notícia da sua morte foi comunicada na passada sexta-feira por Magdalena Filiks, sua mãe e deputada no Parlamento polaco, eleita pela Plataforma Cívica, o maior partido de oposição ao governo de Mateusz Morawiecki, líder do Lei e Justiça, desde dezembro de 2017 no poder.

Através de uma publicação no Twitter, Magdalena anunciou as cerimónias fúnebres do filho, de apenas 15 anos e exortou os media a manterem-se à distância e a respeitarem a dor e “privacidade da família”. O anúncio público fez detonar uma bomba-relógio na sociedade polaca, com os partidos de esquerda, e não só, a responsabilizarem imediatamente o governo pela morte do rapaz.

No final de 2022, primeiro na Rádio Szczecin, uma filial da rádio pública polaca, e depois na TVP, a televisão pública da Polónia, surgiram notícias sobre um caso de pedofilia, que remonta a agosto de 2020 e que em 2021 culminou na detenção de Krzysztof F., membro da Plataforma Cívica e ex-candidato eleitoral do partido e conhecido ativista dos direitos LGBT.

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Krzysztof F. foi condenado por abuso sexual e fornecimento de drogas a menores e, apesar de ser uma figura conhecida da política local de Szczecin, não viu o seu apelido revelado na imprensa, por motivos legais. Nas fotografias publicadas sobre o assunto, a sua identidade também foi protegida. Em dezembro último, altura em que o caso foi finalmente trazido a público, pela Rádio Szczecin, gerou-se uma discussão nacional sobre o alegado encobrimento do caso: jornalistas, figuras pró-governo e membros de facto do governo acusaram a oposição de hipocrisia, por não terem revelado a condenação; do outro lado, os responsáveis do Plataforma Cívica garantiram que assim que souberam da acusação suspenderam de imediato Krzysztof F., que também foi entretanto expulso do partido.

De acordo com a Plataforma Cívica, o julgamento decorreu à porta fechada e o caso não transpirou antes para a imprensa por uma questão de proteção das vítimas.

Przemysław Czarnek, o ministro da Educação do Lei e Justiça, foi uma das vozes mais audíveis do outro lado da barricada, chegando mesmo a acusar o principal partido da oposição de manter o processo judicial em segredo, não para proteger as vítimas, mas para “prejudicar a sociedade”. “As mesmas pessoas que apregoam tanto a sua luta contra a pedofilia estão a esconder a existência de pedófilos nas suas fileiras”, acusou o ministro, em entrevista à TVP.

Por essa altura, Rádio Szczecin e TVP já tinham também revelado, não os nomes das vítimas, mas elementos que terão facilitado a sua identificação: seriam um rapaz, na altura com 13 anos, e uma rapariga de 16, ambos filhos de uma reconhecida deputada de Szczecin, que num dia de agosto de 2020 os tinha deixado à guarda do agora pedófilo condenado, seu companheiro de partido. A partir daí, foi muito fácil chegar a Magdalena Filiks, de 44 anos.

Em dezembro, as declarações do ministro foram recebidas com incredulidade e estupefação. Tomasz Terlikowski, ex-jornalista, filósofo e conhecido comentador católico, chegou mesmo a acusar Przemysław Czarnek de “participar numa nova violação da criança” e de se ter juntado a “uma caça às bruxas contra a mãe de uma criança que foi abusada sexualmente”.

Por seu turno, o ministro da Educação exigiu-lhe um pedido de desculpas e ameaçou, via Twitter: “Ouve com atenção: se não pedires desculpa hoje, na próxima semana vou levar-te a tribunal”.

Terlikowski não se retratou e não consta que o ministro tenha cumprido a ameaça, mas o dano estava feito. Menos de dois meses depois de o caso ter sido tornado público e mais de dois anos após o abuso sexual a que foi sujeito, Mikolaj Filiks, de 15 anos, suicidou-se.

Donald Tusk, ex-primeiro-ministro polaco e presidente do Conselho Europeu entre 2014 e 2019, foi um dos primeiros a reagir. Também via Twitter, escassas horas depois de Filiks ter tornado pública a morte do filho, apontou o dedo ao partido de Mateusz Morawiecki. “Vamos responsabilizar o Lei e Justiça por cada ato de vilania, por cada dano humano e por cada tragédia causada enquanto o partido esteve no poder. Prometo”, escreveu o co-fundador e líder da Plataforma Cívica.

Joanna Scheuring-Wielgus, também deputada da oposição, mas da aliança Esquerda Unida (Lewica), esperou até esta segunda-feira para anunciar que vai fazer uma denúncia ao Ministério Público a acusar TVP e Rádio Szczecin de “atividade criminosa” na forma como noticiaram o caso de pedofilia de que Mikolaj foi vítima.