Um Portugal lento, onde quase não há represálias para quem pratica discursos de ódio, é a principal queixa das vítimas entrevistadas pela agência Lusa, que lamentam não haver respostas para as suas denúncias contra este crime.

As vítimas de discurso de ódio dizem sentir uma pressão cada vez maior com o crescimento da extrema-direita em Portugal e lamentam não conhecer quaisquer consequências para os autores dos actos em resultado das queixas que fazem.

Todos os dias recebemos nas redes sociais comentários que nos deixam tristes e incrédulos. Mas, como podemos dar a volta a isto, se o ódio é tão grande em Portugal?”, começa por se perguntar, em entrevista à Lusa, o dirigente da Associação Cigana Letras Nómadas Bruno Gonçalves.

Bruno sentem-se honrado por “ter traços físicos ciganos, que já estão estereotipados pela sociedade”, mas admite que isso também o torna alvo do ódio, sobretudo “nos últimos quatro anos, desde que o partido da extrema-direita conseguiu ganhar alguma relevância e ter algum espaço nos media e na Assembleia da República”.

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A bailarina Francielle Rodrigues é também uma voz das vítimas do ódio desde que percebeu que o seu vídeo sobre imigração ilegal em Portugal foi divulgado nas redes sociais de um grupo de apoiantes do partido de extrema-direita.

Eu senti perigo de vida e, depois de ameaçarem que me queriam bater, eu comecei a ter medo. Tive um mês sem sair de casa, fiquei com uma depressão. Aqueles comentários manifestavam raiva”, descreve a bailarina que deixou o Brasil para vir para Portugal há 21 anos.

A psicóloga clínica Filipa Jardim da Silva refere à Lusa que “as vítimas de ódio nas redes sociais podem sentir os seus níveis de segurança a diminuir e podem experienciar algumas manifestações ansiosas, com impacto na qualidade do seu sono, no seu apetite, no seu foco, humor e/ou funcionalidade diária“.

Podem igualmente ter a sua perceção de valor pessoal afetada negativamente com danos para a sua autoestima e autoconfiança e com repercussões muitas vezes a nível de humor, podendo desenvolver-se um transtorno depressivo. De igual forma, em muitos casos, observa-se algum isolamento social, o que por sua vez tende a agravar o mal-estar psicológico”, acrescenta.

Quando ocorrem estas situações que podem “configurar-se traumáticas para as vítimas”, a psicóloga aconselha a “partilha com pessoas próximas e com ligações seguras do que aconteceu, pedir apoio e encontrar alguma sustentação nesse suporte, denunciando junto dos canais e entidades próprias” e “procurar ajuda profissional junto de um psicólogo clínico”.

A fundadora da rede digital Afrolink e autora da marca de livros infantis, Paula Cardoso, sofre de racismo desde os três anos, idade em que se mudou de Moçambique para Portugal.

O simples facto de eu existir como eu existo e de estar em alguns espaços, torna-me alvo de discriminação”, descreve em entrevista à Lusa.

A escritora diz que o ódio racial está muito visível no online, mas reforça que em contextos presenciais isso também acontece todos os dias, já tendo apresentado várias queixas, mas todas passaram impunes.

Em entrevista à agência Lusa, a psicóloga Filipa Jardim da Silva explica que raiva, nojo e frustração são as emoções dominantes de quem pratica discursos de ódio e que “a generalidade das pessoas que se transformam em haters tem um défice de competências pessoais e emocionais o que as torna mais reativas, com uma mentalidade mais rígida e com um olhar para o outro menos empático e compreensivo”.

Paula Cardoso admite já ter ouvido várias vezes que “não há racismo, existem é pessoas racistas“, mas na sua opinião, isso são ideias falsas que negam a sua história e que não estão a reconhecer a sua “trajetória”.

A fundadora do Afrolink acredita que é necessário reconhecer que os discursos de ódio e o racismo são violência e têm de ser falados como tal “para curar traumas, porque depois acabam por pesar e ser um fardo demasiado pesado nas histórias” de quem é vítima, reconhece, em entrevista à Lusa.