Vinham da China, da Turquia, da Bulgária. No último ano, a polícia espanhola conseguiu desmantelar uma rede de organização criminosa que produzia e traficava uma quantidade assinalável de substâncias dopantes para atletas das mais variadas modalidades. A sede era em Málaga, os produtos para o fabrico chegavam de vários pontos da Europa e também da Ásia, a chave para a apreensão de produtos e indivíduos foi descobrir as rotas de distribuição finais através de uma investigação em 2021 ligada ao mundo da musculação. Afinal, havia um total de 700 clientes de modalidades tão distintas como futebol, ciclismo ou atletismo que pediam substâncias com anabolizantes, esteroides ou hormónios em forma injetável ou de administração oral.

Entre autoridades desportivas e forças policiais, o combate ao doping tem tentado apertar as malhas, sendo um exemplo paradigmático disso mesmo a criação de um passaporte biológico que permite detetar qualquer variação ao longo de um maior período de atividade (foram vários os campeões ou medalhados “apanhados” desta forma). No entanto, quem procura formas ilícitas de aumentar e melhorar o rendimento desportivo vai fazendo a sua evolução e foi dessa maneira que a Secção de Saúde Pública e Dopagem da Unidade Central Operativa da Guarda Civil de Espanha conseguiu desmantelar a primeira rede criminal no país de SARM (Selective Androgen Receptor Modulators ou Moduladores Seletivos de Recetores de Androgénio).

De acordo com um comunicado das autoridades difundido pela imprensa espanhola, a operação Sahagún-Arán teve dois anos de investigação, foi feita em cidades como Madrid, Barcelona, Valencia, Granada ou Málaga e apreendeu substâncias proibidas e material acessório num valor superior a 870 mil euros a uma organização que utilizava uma página na internet e as redes sociais para oferecer material a desportistas. Em paralelo, é explicado que os SARM são apresentados como uma alternativa aos esteroides sem efeitos secundários (que existem), estão catalogados pela Agência Espanhola de Medicamento como algo “em experimentação” mas têm a sua distribuição e venda proibida em Espanha, razão que motivou a operação.

No modus operandi apresentado pelas autoridades, a organização importava os ingredientes ativos em pó de países terceiros para depois fabricar os medicamentos e fazer a distribuição dos mesmos ainda em estado líquido, através de recipientes em formato de conta-gotas. Antes tudo era preparado num laboratório oficial que foi um dos alvos das buscas feitas na semana passada, tendo como ponto de distribuição uma empresa que trabalhava não só para Espanha mas também para alguns países da União Europeia. Alguns treinadores faziam também uma espécie de “promoção” das substâncias na internet e nas redes sociais. Foram detidas três pessoas e investigadas mais seis só nesta operação, que apreendeu também material.

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Mas o que têm de diferente os SARM, produto que está colocado na lista de proibições da Agência Mundial Anti-Doping como um anabolizante (ou seja, uma substância que potencia de forma ilegal o crescimento de tecidos) e porque levou a uma operação desta envergadura das autoridades espanholas já depois de ter sido motivo para sanções a atletas após os Jogos de Tóquio como o velocista britânico CJ Ujah?

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Como explica o Relevo, o produto utilizado inicialmente entre a comunidade de culturismo mas que foi de seguida alargando o seu uso a outras modalidades era apresentado como uma espécie de “solução mágica”: além de evitar o uso de seringas por ser tomado em gotas, os SARM conseguem aumentar de forma ilegal a massa muscular e o tecido ósseo e diminuir a percentagem de gordura do corpo mas sem prejudicar aquela que é a produção natural de testosterona como acontece com os anabolizantes. Nos efeitos secundários constam “hipertensão, erupções cutâneas, dores de cabeça, problemas de visão ou impotência”.

“É como uma simples pastilha e converte-te no Hulk”, diz um vídeo com mais de um milhão de visualizações no YouTube. “Os esteroides em geral são muito mais potentes mas os efeitos secundários dos SARM são mínimos ou inexistentes comparando com os esteroides. É normal que estejam proibidos mas pelo menos no mundo do culturismo toda a gente utiliza sempre algo porque não há controlos e, quando eles existem, um atleta sabe como dar negativo”, comenta ao Relevo Álvaro, um nome fictício de um atleta que recorre ao uso dessa substância. No entanto, várias investigações contrariam essa ideia. Uma delas, do Departamento de Urologia da Universidade de Miami, revela que mais de 90% aumentou de facto a massa muscular com o consumo e que mais de metade apresentou efeitos secundários adversos.