Joana Mendonça saiu terça-feira, 7 de março, da Agência Nacional de Inovação (ANI), depois de bater com a porta acusando as tutelas — Ministério da Economia e Ministério da Ciência e Tecnologia — de falta de apoio político. Esta quarta-feira, 8 de março, a responsável foi ouvida no Parlamento e voltou a reafirmar a falta de apoio por parte do Governo, que, disse, não respondeu a um conjunto de propostas e pedidos feitos.

A responsável contradiz mesmo o ministro da Economia, António Costa Silva, que disse, no Parlamento, que Joana Mendonça não apresentou essas queixas nas reuniões que manteve com o novo secretário de Estado da Economia, Pedro Cilínio. Costa Silva tinha garantido que este seu secretário de Estado se tinha reunido várias vezes com Joana Mendonça, que contesta. Segundo esta responsável, houve uma reunião com o secretário de Estado a 9 de dezembro, aquando da tomada de posse do governante, uma primeira reunião de cortesia de início de funções. Mostrou-se, nessa reunião, disponível para servir a Agência enquanto fizesse sentido. E recebeu a informação “verbalmente” de que não havia planos para mudar a ANI, expressando o secretário de Estado vontade de trabalhar com quem estava nas instituições. Houve outra reunião a 9 de fevereiro, já agendada antes de Joana Mendonça ter enviado a carta a despedir-se, e cujo teor foi conhecido a 7 de fevereiro.

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Nessas reuniões, Joana Mendonça falou em dois assuntos urgentes, um deles o programa Eureka. “No que diz respeito à participação nacional ao programa Eureka, recebi hoje [6 de fevereiro] carta assinada a apoiar a participação portuguesa e a garantir o seu financiamento, mas apenas após meses de insistência e de ter sido criado um grande mal estar com o secretariado Eureka e a Comissão. Após três concursos do programa Eureka/Eurostarts para as quais a ANI e Portugal assumiram um compromisso formal perante a Comissão Europeia, ainda não há um planeamento claro do financiamento a garantir para os projetos a decorrer, e tendo chegado a receber indicação de que a participação portuguesa nos próximos concursos do Eurostarts estaria em risco”, dizia na carta. Costa Silva garantiu ao Público, depois disso, que o problema foi resolvido. Mas esta quarta-feira, Joana Mendonça assumiu aos deputados: “não está resolvido”.

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Em relação às reuniões mantidas com governantes, referiu, como termo de comparação, que tinha reunido com o ex-secretário de Estado João Neves um total de 11 vezes entre abril e outubro, fora os contactos que não exigiam uma reunião formal de despacho. Joana Mendonça tomou posse como presidente da ANI a 1 de maio de 2021. Quando o novo Governo tomou posse, em março de 2022, Joana Mendonça garante que colocou o lugar à disposição, tendo visto a sua “confiança reforçada”, na ocasião, mas depois “houve uma falta de acompanhamento de todos os temas”, revelando ainda “um hiato de resposta e acompanhamento, apesar da insistência”. Um dos motivos de crítica e que suscitou vários pedidos às tutelas foi o da aprovação do plano de atividade e orçamento para 2023, sem o qual Joana Mendonça diz que tinha alguma atuação limitada e, como tal, com implicações no funcionamento da ANI.

Havia cinco temas mais críticos, conforme já tinha sido apontado na carta de demissão: acompanhamento do PRR, nomeadamente dos programas Agendas Mobilizadoras e Interface; PT 2030; Eureka; e SIFIDE (na carta chegou a dizer que não tinha sido consultada sobre as propostas de alteração ao programa que estão em discussão no Parlamento, sob proposta do Governo).

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Ainda a propósito do SIFIDE considera que a auditoria da Inspeção-Geral das Finanças ao programa levou a que fossem implementadas as recomendações. Vê a auditoria como positiva, na medida em que permite “pôr as coisas a funcionar melhor”.

Joana Mendonça garantiu que à data de ontem [7 de março, quando saiu da Agência] não tinha informação sobre qual será o papel da ANI no PT 2030. “Mas isso não nos limitou do ponto de vista de preparar o que achamos que devia ser o nosso papel”, tendo enviado propostas à Agência para o Desenvolvimento e Coesão e ao Compete sobre formas de avaliação de projetos e desenvolvimento de uma matriz de risco. É que para esta responsável, os projetos não deviam ser avaliados todos da mesma maneira, já que o risco em projetos maiores é diferente. “Propusemos mecanismos sobre a forma de poder potenciar o financiamento do projeto subsequentemente”.

Também no caso do PRR, a Comissão Nacional de Acompanhamento fez recomendações à ANI e que Joana Mendonça diz que, desde início, alertou para a necessidade de ter, no caso das agendas mobilizadoras, mecanismos de acompanhamento. Aliás, esse foi uma das recomendações da comissão liderada por Pedro Dominguinhos.

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É que, explica Joana Mendonça, o número de envolvidos em cada projeto pode ser elevado, e a ANI tem experiência em projetos colaborativos, ainda para mais em casos em que são envolvidas empresas e ao mesmo tempo entidades do sistema científico. “Alertei desde o início para a necessidade de se criar mecanismos de acompanhamento”. Fez uma proposta que entregou ao IAPMEI e que começou a implementar internamente. A proposta foi enviada ao IAPMEI em agosto, tendo também partilhado com o novo presidente do organismo. “Não há razão, se assim entender, para não integrar as recomendações”, especificou.

Também o presidente do IAPMEI mudou. Em janeiro, Costa Silva colocou o seu adjunto à frente do organismo.

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Joana Mendonça recusou comentar todas estas mudanças nos organismos ligados à Economia. “Eu sou professora do IST no qual tenho uma carreira e que estava em curva ascendente, quando me foi feito o desafio de ir para ANI. Aceitei o desafio com uma missão. E ali ficaria enquanto a missão fizesse sentido. A demissão resulta do facto de considerar que naquele momento tinha deixado de fazer sentido. Não consigo pronunciar-me sobre a questão daquilo que seriam eventuais planos do senhor ministro da Economia, mas sim daquilo que se rege a minha atuação. Fui com uma missão, que foi em parte cumprida, tendo em conta as transformações feitas na ANI”.

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Aliás, a professora começou a sua intervenção no Parlamento garantindo que “cessou funções ontem [7 de março]” e que “atingiu e superou todos os objetivos a que se tinha comprometido”, com “a renovação total da gestão que simbolicamente se iniciou pela retirada das alcatifas que estavam nas paredes. Imprimimos ritmo reconhecido, com descentralização de contactos em todo o território nacional e a aproximação com diferentes stakeholders que nos permitiu valorização do conhecimento científico. Implementámos uma verdadeira gestão empresarial” e, por isso, diz que “o caminho é motivo de orgulho e estou certa que terá continuidade com a administração que tomou posse”. Os ministérios comunicaram esta terça-feira a escolha de António Grilo para suceder a Joana Mendonça à frente da ANI. “Não conheço. Não me compete avaliar currículos”, diz a responsável, informando ter uma reunião agendada com o sucessor que “tem reunidas as condições para trabalhar. A ANI tem uma equipa espetacular”.