Se existe quase uma tentação inconsciente para encontrar um ou mais culpados numa derrota, essa vontade multiplica quando em vez de um mero desaire é um verdadeiro descalabro. Foi isso que aconteceu de forma quase natural após a goleada sofrida pelo Manchester United em Anfield com o Liverpool, numa hecatombe que era tudo menos esperada tendo em conta que os red devils levavam uma série de nove vitórias mais dois empates em quatro competições, ganharam a Taça da Liga quebrando um jejum de seis anos sem títulos e tinham apenas uma derrota em 22 partidas realizadas desde a segunda semana de outubro. Nada disso valeu perante o humilhante 7-0 registado no domingo. E quando muitos poderiam pensar que seria Erik ten Hag o crucificado perante uma segunda parte de pesadelo, eis que Bruno Fernandes “tomou” esse lugar.

Acordaram a besta: Liverpool aplica goleada histórica por 7-0 ao Manchester United

“Alguns dos comportamentos do Bruno Fernandes foram uma vergonha. Fica ali de mãos juntas, quase a perguntar ‘Por que não saio?’… O Ten Hag lidou com alguns contratempos no passado mas este é dos grandes. Acabaram em cacos, perderam a cabeça, a forma e a disciplina. A segunda parte foi uma vergonha absoluta, uma confusão, sintetizada naquilo que foi o capitão Bruno Fernandes, uma vergonha por várias ocasiões. Este não é espírito habitual da equipa”, comentou o antigo capitão Gary Neville. “Os jogadores mais experientes foram uma vergonha. Não demonstraram quaisquer capacidades de liderança. Ficaram com vergonha quando as coisas se complicaram, desapareceram. Os experientes foram aqueles que deixaram o clube mal. O melhor é enterrares a cabeça na areia”, referiu o também ex-capitão Roy Keane.

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“O Bruno Fernandes empurrou o árbitro assistente. Agiu como se o seu nariz tivesse explodido quando embateu no peito de Konate. Mergulhou para tentar arrancar um penálti a Alisson. Abanou os braços quando o Erik ten Hag não o substituiu… Fez uma das piores atuações que alguma vez vimos de um jogador e certamente de um capitão na Premier. Não houve nada de profissional no seu comportamento, mais parecia uma criança petulante”, criticou Chris Sutton, antigo avançado de Blackburn e Chelsea. “Os exageros dele aumentaram um bocado desde que Ronaldo não está no balneário. Talvez ele olhasse à volta, visse Ronaldo e não agisse tão abertamente como agiu”, apontou Ian Wright, ex-avançado do Arsenal.

Bruno Fernandes, o mais visado após descalabro entre simulações, falta de liderança e um empurrão ao assistente: “Foi uma vergonha”

Houve de tudo um pouco em relação à exibição de Bruno Fernandes, “adotado” quase como bode expiatório de um Manchester United que falhou a todos os níveis e que teve o seu verdadeiro descalabro entre a defesa e o meio-campo pela forma como não conseguiu travar as transições do Liverpool no segundo tempo. Por isso, esta foi também uma semana de “resposta” interna, com a defesa do médio e capitão que não perdeu em nada a influência na equipa. “Adoro jogar com o Bruno, como podem imaginar, é um parceiro perfeito. Tem sido um bom líder mesmo quando não é capitão, o que é sempre um bom sinal. Ajudou outros jogadores a tornarem-se melhores líderes. Fez muito por nós. Nao tenho nada a negativo a dizer sobre o Bruno, estou com ele a 100%”, destacou Marcus Rashford. “Vai continuar a ser um dos capitães. Está a realizar uma temporada brilhante, com um papel importante. Ninguém é perfeito, toda a gente comete erros e aprende. Ele é muito inteligente, estou mesmo muito feliz por ter o Bruno Fernandes na minha equipa e estou muito satisfeito em tê-lo como capitão quando o Harry [Maguire] não está a jogar”, frisou Erik ten Hag.

“Ninguém é perfeito, todos cometem erros.” Ten Hag garante que Bruno Fernandes vai continuar a ser capitão do Manchester United

Os números do português não são assim tão diferentes dos que registou na última época, mesmo que sejam distintos do que fez no primeiro ano e meio em Old Trafford (40 golos e 26 assistências em 70 jogos, sendo muitas vezes o “salvador” que disfarçava as carências da equipa): em 2021/22 conseguiu dez golos e 14 assistências em 46 partidas, agora levava sete golos e dez assistências em 40 encontros. Contudo, também por isso, qualquer exibição menos conseguida é levada ao extremo. Por isso, o duelo com o Betis de William Carvalho e Rui Silva, que promovia o regresso de Manuel Pellegrini a Manchester onde foi campeão pelo City em 2014, era em paralelo um teste ao que o jogador conseguiria fazer em campo e ao apoio dos próprios adeptos. A resposta chegou de várias formas mas com uma só conclusão: por mais que possa ter jogos meus e atitudes que nem sempre são as melhores, o médio é e será sempre solução e não problema.

Para uma equipa acabada de ser goleada uns dias antes de forma copiosa, dificilmente poderia haver um melhor arranque de jogo: Bruno Fernandes fez um cruzamento para a área, o corte não conseguiu aliviar a bola da zona de perigo e Rashford disparou um míssil sem hipóteses para Claudio Bravo (6′). E ainda houve mais oportunidades, sobretudo uma em que Weghorst tinha tudo para ter apenas de desviar para a baliza um cruzamento tenso de Luke Shaw mas fez o mais complicado e atirou ao lado. No entanto, o Betis é mesmo uma das equipas que melhor ADN de futebol tem. Sem bola até se pode perder e revelar problemas no setor defensivo mas em posse joga largo, joga rápido e tem gosto em jogar bem. Foi isso que aconteceu mais tarde, foi isso que acabou coroado com o empate de Ayoze Pérez pouco depois da meia hora (32′).

Erik ten Hag, com um gorro cinzento perante a neve que ia caindo em Manchester, não via a equipa ganhar mas gostava do que a equipa globalmente estava a produzir, apesar de mais um susto perto do intervalo com uma bola no poste dos andaluzes. Faltava algo, apareceu Bruno Fernandes. E, mais uma vez, foi o português que deu o mote para um segundo tempo demolidor (não tanto como o do Liverpool no domingo mas com números que numa eliminatória são “simpáticos”): o capitão começou por fazer o passe para Antony marcar o melhor golo da noite num remate ao ângulo que deixou Bravo a olhar para a trajetória (52′), marcou pouco depois o 3-1 aparecendo como um avançado de cabeça ao primeiro poste após canto (58′) e ainda viu o 4-1 chegar numa recarga de Weghorst na área após grande jogada na direita de Pellistri (82′). E se no início Old Trafford cantava pelo médio, no final apoiava-o ainda mais como o herói que tinha sido.