“É aceitável que se passem coisas desta gravidade dentro do Governo e o primeiro-ministro nunca saiba de nada?”. A questão foi deixada por Luís Marques Mendes, nos seus comentários habituais na SIC este domingo, a propósito do caso TAP. O advogado, salientando que António Costa “não tem responsabilidade direta neste caso”, questiona, no entanto, o facto de se passarem estes casos e o primeiro-ministro não saiba. “É aceitável que os ministros escondam do primeiro-ministro questões essenciais da governação e nada aconteça? A culpa é só dos ministros ou é também da falta de liderança e de autoridade do primeiro-ministro?”. As perguntas ficam feitas. “Há tantos casos dentro do Governo e o primeiro-ministro nunca sabe de nada?”. “São muitos os casos e casinhos e o primeiro-ministro nunca sabe de nada. É muito estranho e alguém tem de esclarecer isto”.

Marques Mendes foca a sua atenção em Pedro Nuno Santos, que considera o maior “responsável deste imbróglio” que já se demitiu. A Inspeção-Geral das Finanças (IGF), nos factos que aponta, “é demolidora para si [para o ex-ministro das Infraestruturas].  Durante muito tempo, Pedro Nuno Santos andou a faltar à verdade. Quando se demitiu, parecia que o seu secretário de Estado era um vilão e ele, ministro, um herói. Um ‘coitado’, que até se demitiu sem ter culpa nenhuma! Afinal, vem a saber-se agora que ele sabia de tudo desde o início”.

Para o comentador, o ex-ministro sabia de tudo, da negociação e da indemnização. E critica ainda o facto de o seu ministério não ter analisado nada antes de autorizar a indemnização a Alexandra Reis que a IGF considerou nula por não ter respeitado preceitos legais.

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“A análise de legalidade feita agora pela IGF é a análise que o gabinete de Pedro Nuno Santos devia ter feito antes de autorizar tudo. É para isso que os ministros têm assessores”. E, por isso, Marques Mendes sentencia: “Pedro Nuno Santos até pode chegar a líder do PS. Mas com comportamentos destes tenho sérias dúvidas que alguma vez consiga chegar a primeiro-ministro”.

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De resto, no caso TAP, Marques Mendes considera que o Governo tinha de demitir Christine Ourmières-Widener, a CEO da TAP, e Manuel Beja, presidente do conselho de administração. “Qualquer gestor sabe, mesmo não sendo jurista e mesmo não falando português, que para nomear e exonerar administradores é obrigatória a realização de uma assembleia-geral da empresa. Não é uma mera formalidade. É um requisito essencial, até porque envolve o Ministério das Finanças”, que “nunca autorizaria uma coisa daquelas”.

Para Marques Mendes o comportamento de Alexandra Reis foi correto, no caso da devolução. “Se no início esteve mal ao receber uma indemnização milionária e imoral, agora merece ser elogiada pela atitude de a devolver de forma voluntária”.

Mas diz que, pelo que leu no relatório, nada justificava a saída desta gestora. “É uma teimosia, um capricho, uma guerra de egos, um exercício de poder absoluto por parte da CEO da TAP”. As divergências referidas — como a sede, frota automóvel, contratações, sistema de compras — não comprometiam a execução do Plano de Reestruturação da TAP. “Eram divergências normais num órgão colegial em que não tem de estar de acordo sempre”. É por isso que Marques Mendes diz que Pedro Nuno Santos não transmitiu às Finanças esta matéria que nunca seria aprovada pelo Terreira do Paço.

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“De concreto e palpável, não há nada” em relação a medidas por causa dos preços dos alimentos

“O Presidente da República deu uma boa entrevista à RTP e ao Público. Talvez aquela em que se mostrou mais afirmativo e interventor: a catalogar o Governo e a oposição; a apresentar ‘pistas’ de solução, designadamente na educação; a criticar a Igreja no dossiê dos abusos sexuais”, comenta Marques Mendes, que deixa, no entanto, a questão para o futuro. “Como é que o Presidente vai gerir os seus três últimos anos de mandato. Os últimos anos dos mandatos presidenciais são normalmente anos pouco relevantes. Com a degradação política que se vive, ou o Presidente tem uma maior capacidade de influência ou chegaremos a 2026 num estado muito preocupante”.

E clama pela intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa, de quem é conselheiro no Conselho de Estado, na política, justiça e economia. Tem ser mais firma a “combater os excessos da maioria absoluta”. Mas também no fomento de consensos — dá o exemplo dos metadados — e reforçando o poder de influência na economia.

Um tema na economia é o dos preços na alimentação, lembrando algumas estratégias europeias: a espanhola (redução no IVA, “mas não tem dado na prática grandes resultados”), a grega (limite de subida de preços), a francesa (autoregulação).

O Governo acordou tarde para este problema. Andou a dormir. Só esta semana deu sinal de vida nesta matéria. Demorou uma eternidade, mas também não há nenhuma decisão. O Governo falou, desabafou e fez pressão. Mas, de concreto e palpável, não há nada. Nem sequer um acordo com o setor da distribuição, como em França, que seria bem-vindo. É importante este esforço. Terceiro, a ASAE disse que é preciso fazer um estudo caso a caso, produto a produto para perceber, do produtor ao retalho, se há lucros ilegítimos. A ideia parece correta. Mas quando teremos esse estudo? Não é possível demorar muito tempo a agir. Não podemos continuar a assistir à continuada subida dos preços.”

Distribuição sob pressão máxima do Governo por causa de preço dos alimentos. Medidas de outros países estão a ser estudadas

O problema mantém-se, concluiu, mas é preciso avançar. “É preciso agir”.

“A Igreja está muito dividida”

Outro tema do momento são as conclusões do relatório independente sobre os abusos sexuais na Igreja. Há já dioceses a divulgarem as decisões que tomaram em relação a padres e leigos que estarão envolvidos em alegados abusos. Évora, Braga, Angra, Guarda, Viseu e Lamego deram “um grande sinal de esperança”. “Mostram que é possível tomar medidas cautelares. “Esperança de que outros bispos possam acompanhar o mesmo caminho. Esperança de que a Igreja se reconcilie com os seus fiéis e com a sociedade”.

Mas há um sinal de preocupação — a divisão que há entre os bispos portugueses e não é só uma diferença na interpretação das leis canónicas. “É uma divisão em torno da mensagem e das orientações do Papa Francisco. É que o Papa Francisco já disse que nestas matérias não chega pedir perdão. Alguns bispos portugueses continuam infelizmente amarrados ao passado”.

Sobre a entrevista do presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. José Ornelas, ao Expresso, saudou o que considera ser a sua coragem e autenticidade. É que a “imagem que a CEP está a passar é que a Igreja está muito dividida e que fala a várias vozes. Talvez fosse mais convincente e credível que os bispos guardassem silêncio, aprofundassem internamente as questões e só falassem quando tivessem algo de concreto a anunciar”.

Abusos na Igreja. Quem são e como pensam os bispos que já decidiram afastar os padres suspeitos?