O chefe da diplomacia portuguesa considerou esta segunda-feira “uma tragédia” a intensificação do fenómeno da imigração ilegal através do Mediterrâneo para a Europa, defendendo que há “muito trabalho a fazer, em conjunto”, para encontrar soluções.

É uma tragédia e temos absolutamente de encontrar soluções que combatam esse flagelo. Temos entre as duas margens do Mediterrâneo desafios muito significativos, que são os do nosso tempo, como os fluxos migratórios e a boa gestão desses fluxos, como a radicalização, a desinformação, até as temáticas das alterações climáticas passam pelo Mediterrâneo”, afirmou João Gomes Cravinho à agência Lusa.

O ministro dos Negócios Estrangeiros português falava à Lusa após a cerimónia de abertura do lançamento da quinta fase do “Programa Sul”, subordinada ao lema “Proteger os Direitos Humanos, o Estado de Direito e a Democracia no Sul do Mediterrâneo, Através da Partilha de Normas”, uma iniciativa conjunta entre a União Europeia (UE) e o Conselho da Europa (CdE) para o período de 2022 – 2025.

Temos muito trabalho a fazer, sobretudo no quadro da União Europeia, para ter uma gestão conjunta dos riscos e das responsabilidades. O nosso apelo é para que haja uma partilha a nível dos países da UE dos riscos e das responsabilidades. Do lado português, estamos sempre disponíveis para assumirmos as nossas responsabilidades”, referiu Cravinho.

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Nas últimas semanas, o mar Mediterrâneo tem sido palco de um aumento significativo de tentativas de travessia de migrantes para a Europa em embarcações precárias, em que muitas delas resultam na tragédia dos naufrágios, que tem atingido sobretudo a costa italiana.

Desde 1 de janeiro deste ano, dados do Ministério do Interior italiano, desembarcaram em Itália 17.592 migrantes, número quase três vezes mais do que os 5.995 registados no mesmo período de 2022. O número de chegadas de migrantes pela rota do Mediterrâneo central aumentou 116% em janeiro e fevereiro em comparação com 2022, segundo a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (Frontex).

Para o chefe da diplomacia portuguesa, as relações com os países da orla sul do Mediterrâneo são de “primeira importância para a política externa Portugal, destacando a importância de Lisboa acolher a sede do Centro Norte/Sul, o que constitui “uma mais-valia significativa”.

Questionado pela Lusa sobre o facto de o Programa Sul, criado em 2012, na ressaca da “Primavera Árabe”, os valores que norteiam o projeto estarem ainda por cumprir na quase totalidade dos países norte-africanos, Cravinho defendeu que não se pode ter apenas uma abordagem punitiva, admitindo, porém, que há ainda muito a fazer.

“Aquilo que nos interessa é criar as melhores condições possíveis para o progresso dos direitos humanos, do Estado de Direito em todo o lado e, convenhamos, temos também, a norte do Mediterrâneo, algumas situações que nos são preocupantes”, referiu o chefe da diplomacia portuguesa, sem nomear os países.

“Por outro lado, temos outras convenções, como a de Istambul, para combater a violência doméstica e de género. Isso é matéria que nos convoca a todos, norte e sul do Mediterrâneo. Há muito trabalho que se pode fazer. Ninguém pode imaginar que a assinatura destas convenções é uma varinha mágica que resolve os problemas todos, mas são instrumentos que nos permitem começar a trabalhar em temas que nos interessam a todos, como o Estado de Direito ou o combate à desigualdade de género”, argumentou.

Salientando a importância do “Programa Sul”, Cravinho destacou que é através deste projeto que se estão a criar parcerias com vários países da orla sul do Mediterrâneo, como, por exemplo, Argélia, Marrocos e Tunísia.

“Com o lançamento deste programa, que envolve 5,5 milhões de euros, baseado no Centro Norte/Sul, lança-se um processo que vai levar à adesão de alguns dos países da orla sul do Mediterrâneo a convenções do Conselho da Europa.

A quinta fase do “Programa Sul” visa sobretudo a criação progressiva de um espaço jurídico comum entre a Europa e o Sul do Mediterrâneo com base nas convenções do Conselho da Europa.

O evento conta com a presença de delegações das duas margens do Mediterrâneo e funciona como uma plataforma para o intercâmbio sobre o valor acrescentado das normas partilhadas e a sua aplicação na região.

Mais de 70 representantes das autoridades do Sul do Mediterrâneo, instituições parceiras, sociedade civil e meios de comunicação social vão apresentar e partilhar experiências e discutir desafios e perspetivas comuns para fortalecer os direitos humanos, o Estado de Direito e a cooperação na região.

A apresentação do lançamento do “Programa Sul”, que termina terça-feira, apresenta esta segunda-feira duas mesas redondas: “Avançar para um espaço jurídico comum entre a Europa e a região do sul do Mediterrâneo” e “Garantir a implementação dos padrões partilhados”.

Terça-feira, o dia conta com reuniões paralelas de grupos de trabalho sobre temas como, entre outros, “A luta contra a corrupção, branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo”, “Combate ao tráfico de seres humanos”, “Liberdade de expressão, imprensa pluralista e acesso à informação” e “Combate à violência sobre as mulheres e crianças”.