Um cobertor de caxemira como prenda, um menu que incluiu risotto de ervas e uma música sobre uma mulher que morre afogada num rio. Foi assim o aniversário de Matteo Salvini, líder do partido de extrema-direita italiano Liga e atual vice-primeiro-ministro do governo na coligação de direita liderada por Georgia Meloni.

Não seria notícia, não fosse o facto de tudo se ter passado na sexta-feira — exatamente o mesmo dia em que foram enterradas as primeiras vítimas de um enorme naufrágio de uma barco que transportava migrantes que tentavam chegar a Itália, em Cutro. As vítimas do naufrágio de 26 de fevereiro ainda não foram todas encontradas: com apenas 80 vítimas registadas, estima-se que o número real de mortes seja bastante superior.

Enquanto as primeiras vítimas eram enterradas em Cutro, no sul de Itália, a muitos quilómetros dali tinha lugar a festa surpresa dos 50 anos de Matteo Salvini, no lago Como. Na primeira fila para o receber estava Giorgia Meloni, a primeira-ministra e colega de governo, que voou diretamente de Israel para Itália para não faltar à festa, como conta o Corriere della Sera.

O jornal partilha mais detalhes da soirée. O menu contou com um prato de pasta com molho de salsa, um risotto com ervas aromáticas e bife com vegetais. Houve bolo de aniversário, é claro. E presentes, como o cobertor de caxemira e as camisolas feitas à mão oferecidas a Salvini por Silvio Berlusconi, o líder do Forza Italia que também faz parte da coligação governamental. “Pára de usar aquelas camisolas brancas, este é um conjunto elegante”, comentou o próprio Berlusconi com o aniversariante.

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O momento alto da noite, porém, foi aquele em que Salvini e Meloni protagonizaram juntos uma canção, em karaoke. Um vídeo divulgado nas redes acabaria por mostrar o acontecimento em que os dois líderes da extrema-direita italiana cantam “La canzone de Marinella”, de Fabrizio de André, que fala precisamente sobre uma mulher que morre afogada num rio.

Não tardou, por isso, a que os políticos fossem alvos de duras críticas. “Ontem foi um dia muito doloroso para nós. Enterrámos vários caixões, incluindo o de uma menina”, relatou no dia seguinte Matteo Lepore, presidente da Câmara de Bolonha, onde decorreu o funeral das vítimas de Cutro, à agência de notícias ANSA.

Fiquei impressionado com o karaoke de Salvini e Meloni, eles que não quiseram conhecer os familiares nem prestar homenagem aos caixões, mas arranjaram tempo para festejar o 50.º aniversário do ministro Salvini”, acrescentou.

O autarca não foi o único a deixar críticas. A líder parlamentar do Partido Democrático, Debora Serracchiani, recorreu às palavras do poeta Montale: “Hoje podemos dizer-vos apenas isto, aquilo que não somos, aquilo que não queremos”.

E os políticos não foram os únicos a manifestarem-se. “Eles cantam pietas com o poeta De André. No dia errado. No local errado”, escreveu o editor do La Stampa, Massimo Gannini.

O ministro da Defesa Guido Cosetto comentou com leveza o assunto. “Felizmente não dependemos de cantar para sobreviver”, comentou.