O presidente da associação de juízes entende que a atual lei é suficiente para fechar as ‘portas giratórias’ entre justiça e política e que há uma relação de “duplo interesse” que leva a aplicar a lei “de forma insuficiente”.

Em declarações à Lusa, Manuel Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) disse que a recente proposta do conselho superior para limitar a circulação de juízes entre carreiras, com passagens pela política e regressos à justiça, já tinha sido avançada pela própria associação em momentos anteriores, estando por isso “totalmente de acordo com o princípio” subjacente.

Mas afirmou também que alterar o Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), como pretende o CSM, segundo a proposta tornada pública na semana passada, pode ser um passo desnecessário.

O CSM não precisa de lei para nada para fazer melhor do que faz, porque o estatuto atual já dá ao CSM o poder para recusar a ida de juízes para comissões de serviço que considerem inconvenientes por qualquer razão”, explicou.

E, portanto, “se o CSM já tem este poder e que a meu ver exerce de forma insuficiente e com uma malha de exigência muito larga, a minha única observação é esta: com certeza podemos melhorar a lei, mas antes disso porque não exercem os poderes que têm e porque não são muito mais escrupulosos nas autorizações?”, questionou.

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Manuel Soares disse também ter “as maiores dúvidas” de que o parlamento aprove a proposta agora avançada pelo CSM:

Isto é uma relação de duplo interesse. Os juízes vão para a política e regressam para os tribunais não apenas porque desejam isso e querem isso, mas também porque no universo da política há quem os queira lá ter. E, portanto, não sei se o parlamento quando chegar a altura da decisão abdicará dessa possibilidade facilmente”.

Para o presidente da ASJP há ainda muito a discutir sobre a forma como seria aplicada a limitação à circulação entre carreiras agora proposta, manifestando dúvidas que haja juízes interessados em ver a contagem da sua antiguidade na carreira interrompida, correndo com isso o risco de nunca atingir o topo.

O “período de nojo” de três anos proposto seria apenas “um remendo” para uma questão em que “o mais sensato” seria não se colocar a hipótese de o juiz sair para a política podendo regressar, ou se fosse convidado, o recusasse, ou, em última análise, fosse impedido pelo CSM.

Tudo isso era preferível a encontrar soluções na lei de proibição ou de proibição de regresso ou de estabelecimento de períodos de nojo, porque essas soluções são todas soluções de remendo e nenhuma delas é inteiramente boa e isenta de críticas”, defendeu Manuel Soares.

Segundo a proposta do CSM, os juízes que saiam para comissões de serviço terão que o fazer ao abrigo de licenças sem vencimento, e os que depois regressem ficam impedidos de exercer funções jurisdicionais durante três anos, ou seja, não podem decidir processos, ficando remetidos a cargos técnicos e de assessoria nos tribunais.

Ninguém quer, penso eu, ser sujeito à situação um bocadinho estranha de ser autorizado a regressar a funções, mas não poder tomar decisões. Uma pessoa fica meio-juiz? Ou é um juiz que enquanto não passar a ‘contaminação do vírus’ não pode mexer nos processos? Isso é uma situação um bocadinho estranha, na verdade”, concluiu o presidente da ASJP.

O CSM aprovou a 8 de março em plenário uma proposta de alteração ao EMJ, com vista a limitar a circulação de juízes entre a justiça e a política, resultado da ação do grupo de trabalho que tinha sido constituído em 2022 pelo presidente do CSM e do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo.

De acordo com o CSM, este grupo de trabalho, presidido por Henrique Araújo, foi também constituído pelos vogais António Barradas Leitão, Inês Ferreira Leite, Jorge Raposo e Leonel Serôdio, a quem foi dada a missão de “repensar o regime legal em vigor referente a impedimentos, incompatibilidades e comissões de serviço (judiciais e não judiciais) dos magistrados judiciais”.

Henrique Araújo havia já manifestado críticas ao regime de comissões de serviço e à circulação de juízes entre a justiça e a política por ocasião da abertura do ano judicial de 2022 e numa conferência da Associação Europeia de Juízes, em abril do ano passado.