O antigo ministro da Educação Eduardo Marçal Grilo desistiu de integrar o Conselho Geral Independente (CGI) da RTP, cargo para o qual já tinha sido eleito, depois de a sua escolha ter suscitado duras críticas da Comissão de Trabalhadores. Perante os comunicados do órgão, que encarou a escolha como uma prova da falta de independência política do CGI e chegou a referir-se ao ex-governante como “outro ex-ministro octogenário”, Marçal Grilo bateu com a porta: “Já não tenho idade nem paciência”.

À primeira vista, estava tudo encaminhado para a indigitação de Marçal Grilo, que foi ministro da Educação no primeiro Governo de António Guterres e administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, para o órgão que fiscaliza e supervisiona o Conselho de Administração da RTP.

O nome proposto pelo Conselho de Opinião da televisão pública (que indica dois representantes de um total de seis para o órgão — outros dois são escolhidos pelo Governo e os últimos dois são cooptados pelos restantes) foi aprovado com 24 votos favoráveis (de um total de 31 membros) e recebeu um parecer positivo da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), ao qual o Observador teve acesso.

Nesse parecer, datado de 20 de fevereiro, a ERC concluía não haver “elementos que obstem à verificação do preenchimento dos requisitos pessoais” para que Marçal Grilo assumisse o cargo, assim como não encontrava nenhuma “incompatibilidade” que impedisse a indigitação. E acrescentava que a escolha também não punha em causa a necessidade de “representação geográfica, cultural e de género” exigida nos estatutos da RTP, pelo que estavam respeitados os requisitos legais previstos.

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O problema surgiu quando a Comissão de Trabalhadores (CT) se pronunciou sobre o assunto. Num primeiro comunicado, disponível na página de Facebook do órgão da RTP e intitulado, com ironia, “um Conselho cada vez mais ‘independente'”, a CT criticava a escolha dizendo não conhecer ao ex-ministro “nenhum pensamento, nenhuma ação, nenhum artigo nem algum discurso sobre o serviço público de media”.

E acrescentava que um órgão que deveria servir para desgovernamentalizar a RTP ficaria assim “constituído por quatro ex-políticos, três dos quais de Governos do PS” (referência a Manuela de Melo, ex-jornalista da RTP e ex-deputada do PS, e Alberto Aarons de Carvalho, que foi secretário de Estado de Guterres e deputado, além de Leonor Beleza, antiga ministra de Cavaco Silva).

Ficava assim confirmada a escolha de um candidato “benquisto do Governo e alheio ao audiovisual”, ficando para trás a escolha preferida da CT, mas menos votada (quatro votos) — “Rui Araújo, um dos mais prestigiados jornalistas portugueses” e posta em causa, para a CT, a independência do órgão: “A independência não é uma garantia pessoal, é uma prática”.

Não seria a última vez que a CT se pronunciaria sobre o assunto. Num outro comunicado relativo à relação entre o CGI e a Comissão de Ética da RTP, o órgão que representa os trabalhadores acusou o CGI de ter sido “criado para alimentar uma ficção de independência” e de ser agora reforçado “com outro ex-ministro octogenário para escárnio do público mais crédulo (…)”.

Ora estas referências terão sido o motivo para Marçal Grilo ter mostrado a sua indignação, desistindo de assumir o cargo. Numa carta enviada a 2 de março ao Conselho de Opinião e ao CGI, a que o Observador teve igualmente acesso, o antigo ministro lembra que teve a “honra e privilégio” de contar com a confiança de uma “larga maioria” dos membros do Conselho de Opinião, mas que, analisado o “teor das reações” da CT e “ponderada a situação” criada no seu “espírito” por elas, pedia que fosse interrompido o processo de nomeação.

E respondia à CT, numa aparente alusão à referência à sua idade (81 anos): “Já não tenho idade nem paciência para exercer um cargo, onde certamente teria o maior gosto e interesse em dar o meu contributo, mas que exigiria uma capacidade de resposta a atitudes pouco cordatas e menos educadas, por parte de quem deveria respeitar aqueles que se dispõem a prestar mais um serviço público de forma desinteressada e construtiva”.

A história não ficou por aqui: a CT chegou ainda a reagir à decisão de Marçal Grilo, escrevendo em novo comunicado que o ex-ministro ficou “melindrado com os reparos” e que isto confirmaria que era um “erro de casting”.

Esse erro, prosseguia a CT, “não consistia apenas em eleger um ex-membro do Governo para, supostamente, desgovernamentalizar a RTP”, mas também em escolher “alguém demasiado irritável perante as críticas”: “Em democracia, só se deve eleger quem tenha poder de encaixe para ouvir críticas e exercer o mandato apesar delas”.

Ao Observador, o atual presidente do CGI, José Vieira de Andrade, que assumiu o mandato em 2020 e termina agora as suas funções, diz “lamentar, naturalmente”, que Marçal Grilo tenha desistido do cargo “por estas razões”.

O Observador contactou também Nélson Silva, porta-voz da CT, que remeteu para os comunicados publicados no Facebook, lembrando que a posição do órgão que representa os trabalhadores sobre o CGI é “conhecida”, tal como “a maneira como as pessoas são indigitadas”.

Caberá agora ao Conselho de Opinião indicar um nome novo, recomeçando o processo de indigitação.