Foi mais um dia de bloqueios nas ruas em Paris. Estudantes voltaram a mobilizar-se, continuaram a existir cortes na produção de eletricidade, transportes públicos sem circular e trabalhadores da recolha de lixo permanecem em greve contra a reforma do sistema de pensões em França, aprovada sem votação da Assembleia Nacional.

A Praça da Concórdia (Place de la Concorde, em francês) foi esta sexta-feira à noite de palco confrontos entre a polícia e os mais de 2.500 manifestantes. O Le Parisien dá conta de que um incêndio deflagrou entre a multidão, com pedaços de madeira a serem levados de forma discreta por aqueles que protestam para alimentar as chamas. “Paris em chamas e Macron no meio” ou “Macron na fogueira”, gritam os manifestantes.

Pouco antes de milhares de manifestantes se voltarem a concentrar nessa praça central de Paris, cerca de 200 pessoas, sobretudo jovens, reuniram-se frente a uma esquadra da polícia, onde dois estudantes se encontram detidos. Na capital francesa, ao final da manhã, os jovens estiveram nas instalações da universidade de Paris 1, encerrada pelos seus responsáveis como medida preventiva, a quem se juntaram outros provenientes da Sorbonne.

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Os estudantes tentaram organizar uma manifestação espontânea em apoio aos grevistas da limpeza urbana, mas foram reprimidos pelo polícia. Em paralelo, os quatro sindicatos da SNCF, os caminhos-de-ferro franceses, apelaram à “manutenção da greve” iniciada a 7 de março, e a “agir massivamente em 23 de março” num novo protesto contra a reforma das pensões.

Estes sindicatos também apelaram aos trabalhadores a “multiplicarem as suas ações e iniciativas unitárias a partir do fim de semana em todo o território, após a decisão do Governo de aprovar no parlamento — sem votação e recorrendo ao controverso artigo 49.3 da Constituição –, a contestada reforma que entre outras medidas prevê ou aumento da idade da reforma dos 62 para os 64 anos, agravando a contestação.

Diversas ações estão previstas durante todo o fim de semana, em particular junto a edifícios governamentais. Na segunda-feira a Assembleia Nacional (parlamento) deverá examinar as moções de censura ao Governo apresentadas separadamente por um pequeno grupo de deputados independentes e pela extrema-direita, admitiram à AFP fontes parlamentares.

Os deputados do grupo independente Liot depositaram uma moção de censura ao Governo, coassinada pela coligação de esquerda Nupes, em resposta à imposição da reforma governamental. Por sua vez, os eleitos da União Nacional (RN, extrema-direita) avançaram com uma moção de censura alguns minutos mais tarde. “Não votaremos todas as moções de censura apresentadas”, sublinhou a deputada de extrema-direita Laure Lavalette, e quando o texto apresentado pelo Liot é suscetível de federar diversos campos políticos, ao contrário da moção da RN.

Para provocar a queda do Governo, uma moção de censura deve recolher a maioria absoluta na Assembleia nacional (287 votos). Este resultado necessitaria em particular que 30 deputados do partido Les Républicans (LR, direita), num total de 61, fornecessem o seu apoio durante a votação, hipótese que parece improvável.

Os protestos que marcaram a manhã desta sexta-feira

A estação de Aurillac, a de Toulon e a de Bordéus estiveram, em diversos momentos da manhã, bloqueadas — impedindo a circulação de comboios. O Le Parisien avança que mais de 10 mil toneladas de lixo se acumularam em Paris desde o início da greve dos trabalhadores.  

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Além disso, Centenas de pessoas com faixas e emblemas da Confederação Geral do Trabalho (CGT) ocuparam a via de circunvalação de Paris junto à Porta de Glignancourt, desde as 7h (6h em Lisboa), causando congestionamentos.

“Isso não deve ser feito. Existem instrumentos democráticos de reivindicação”, respondeu o ministro do Interior francês, na qual insistiu que as autoridades permitiram as manifestações, sem incidentes, durante todo o movimento contra a reforma das pensões. Em entrevista à rádio RTL, Gérald Darmanin disse que pelo menos 310 pessoas foram detidas na quinta-feira à noite nas manifestações espontâneas contra a reforma do sistema de pensões, incluindo 258 em Paris. Os protestos ocorreram também em outras cidades do país, incluindo Marselha, Nantes, Rennes e Lyon.

Gérald Darmanin sublinhou que em Rennes, Albi, Marselha e Paris, alguns dos manifestantes tentaram atacar edifícios públicos e escritórios de representação de políticos do bloco que apoia o Presidente Emmanuel Macron. Em Paris, na noite desta quinta-feira, milhares de manifestantes reuniram-se na Praça da Concórdia (Place de la Concorde, em francês), onde a maioria das pessoas foram detidas por cometerem danos. Segundo a polícia francesa, os agentes entraram em ação, nomeadamente com canhões de água, após uma tentativa de destruição do local do Obelisco, no centro da praça. Estas intervenções policiais causaram grandes movimentos de pessoas na praça.

As suas cargas e o uso de gás lacrimogéneo afastaram os manifestantes da ponte que leva à Assembleia Nacional e empurraram as pessoas de volta para o outro lado da praça. À noite, algumas centenas de pessoas ainda se encontravam na praça, onde os bombeiros intervieram para extinguir vários focos de incêndio, nomeadamente em tábuas e numa escavadora. Caixotes de lixo também foram incendiados nas ruas próximas à Assembleia Nacional, na capital, informou a polícia.

Darmanin revelou que o Governo impôs, por motivos de saúde, serviços mínimos à recolha de lixo, cujos trabalhadores estão em greve há 10 dias. “Respeito a greve da recolha de lixo”, mas “o que não é aceitável são as condições insalubres”, disse o ministro. O chefe da CGT para o setor ferroviário, Laurent Brun, disse esta manhã em entrevista à rádio France Info que o objetivo é “paralisar a economia” e para isso as greves devem multiplicar-se.

O governo francês recorreu na quinta-feira a um artigo da Constituição francesa, que prevê que uma lei possa ser aprovada sem passar pela Assembleia Nacional (câmara baixa do parlamento), para aprovar a lei de reforma do sistema de pensões.

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Entre os artigos mais polémicos desta nova lei está o aumento da idade da reforma para 64 anos ou 43 anos de descontos, mas também o fim dos regimes especiais existentes para os trabalhadores dos transportes, da energia ou mesmo do Banco de França, assim como a adoção de um contrato especial para promover o emprego de pessoas com mais de 60 anos.

Extrema-direita, direita e toda a ala esquerda da Assembleia Nacional francesa pediram na quinta-feira a demissão do governo, após a aprovação forçada da reforma do sistema de pensões, prometendo apresentar três moções de censura nas próximas 24 horas.

A intersindical que luta contra a reforma do sistema de pensões em França já convocou “reuniões” para este fim de semana e um nono dia de greve e manifestações para 23 de março.

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Notícia atualizada às 21h55 com novos desenvolvimentos acerca da greve em França