O governo espanhol, liderado pelo socialista Pedro Sánchez, vai enfrentar nos próximos dias a segunda moção de censura da legislatura, uma iniciativa do partido de extrema-direita VOX encabeçada por um ex-dirigente comunista.

A legislação espanhola prevê que as moções de censura ao governo apresentadas no Congresso dos Deputados (a câmara baixa do parlamento) incluam o nome da pessoa que automaticamente liderará o executivo caso sejam aprovadas.

O VOX anunciou esta moção de censura em novembro e optou por não apresentar como candidato à presidência do Governo, caso seja bem-sucedida, o líder do partido, Santiago Abascal, mas sim o economista, historiador, escritor e antigo membro do Partido Comunista de Espanha Ramón Tamames, de 89 anos, que tem um percurso de oposição à ditadura de Francisco Franco.

Tamames filiou-se no Partido Comunista em 1956, pelo qual foi eleito deputado para uma assembleia constituinte em 1977, depois da morte de Franco, em 1976. Abandonou o Partido Comunista em 1981 e em 1988 filiou-se no moderado e centrista Centro Democrático Social, do primeiro-ministro Adolfo Suárez. Além desta trajetória política, Ramón Tamames é economista, professor e catedrático, com uma carreira académica de prestígio reconhecida em Espanha.

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Esta é a sexta moção de censura na história da democracia espanhola nascida em 1976 e a segunda que enfrenta o Governo de Sánchez, uma coligação do Partido Socialista (PSOE) e da plataforma de extrema-esquerda Unidas Podemos. A anterior, em outubro de 2020, foi também uma iniciativa do VOX e só os 52 deputados deste partido votaram a favor, pelo que foi rejeitada com 298 votos contra.

Agora, a moção de censura, que será debatida e votada na terça e quarta-feira, está novamente condenada ao fracasso, mas os votos contra já não serão tão esmagadores porque pelo menos um dos partidos da direita, o Partido Popular (PP), anunciou a abstenção dos seus 88 deputados. O debate prévio desta moção de censura, perante os microfones dos meios de comunicação social nos últimos dias, tem sido precisamente em torno do PP, o maior partido da oposição no parlamento espanhol.

O secretário-geral do VOX, Ignacio Garriga, apelou na sexta-feira ao PP para abandonar a “estratégia cobarde, de centro centrado” e votar a favor da moção de censura a Pedro Sánchez. Já os socialistas questionam se o PP, liderado desde há um ano por Alberto Núñez Feijóo, se radicalizou e sublinham a aproximação à extrema-direita, num ano em que haverá eleições em Espanha e a possibilidade de coligações com o VOX para a direita chegar ao Governo.

“Ou o senhor Feijóo é menos corajoso ou sabe que o PP sem o VOX e sem a extrema-direita não é nada”, disse o ministro e dirigente socialista Félix Bolaños, na sexta-feira, acrescentando que “em nenhum outro país da Europa um partido conservador se absteria numa moção de censura da ultra direita extremista como é o VOX”.

O VOX avançou com esta moção de censura, segundo o texto da iniciativa, perante o que considera ser “a demolição” da ordem constitucional em Espanha por causa dos acordos de Sánchez com “forças separatistas”, numa referência a acordos dos partidos do Governo, que não têm maioria absoluta no Congresso, com forças nacionalistas e independentistas do País Basco e da Catalunha.

Para o VOX, estes partidos, que querem acabar com a unidade e a integridade de Espanha estabelecida na Constituição, “conseguiram determinar a governabilidade da Nação” e decidir “o sentido das políticas que se aplicam a todos os espanhóis”, além de “ditarem indultos e modificações ‘ad hominem’ [à medida] do Código Penal” para tirarem da cadeia ou diminuírem potenciais penas de independentistas catalães.

O presidente do VOX, Santiago Abascal, e Ramón Tamames, que apesar de não ser deputado, terá direito a intervir no debate no Congresso, por ser o candidato a liderar o governo, assumiram na semana passada que têm diferenças ideológicas, mas sublinharam que estão de acordo “no essencial e fundamental”, a defesa da Constituição, da monarquia parlamentar e da bandeira espanhola.

O VOX disse que procurou para encabeçar a moção de censura um nome independente, neutral e de consenso, capaz de mobilizar uma maioria de deputados suficiente para derrubar Pedro Sánchez.

Na história da democracia parlamentar espanhola, instituída formalmente em 1978 com a aprovação da atual Constituição, só uma vez foi aprovada uma moção de censura que fez cair um governo, levando ao poder um novo primeiro-ministro sem eleições. Aconteceu em 2018, quando precisamente Pedro Sánchez viu aprovada a moção de censura que apresentou ao Governo de Mariano Rajoy, do Partido Popular (PP, direita).