“E agora?” Depois de a comissão independente para o estudo dos abusos sexuais na Igreja ter apresentado o seu relatório final e de as várias dioceses católicas portuguesas já terem anunciado as medidas a tomar em relação aos alegados abusadores identificados pelo grupo de trabalho, é esta a pergunta a que a comunidade da Capela do Rato, em Lisboa, procura dar resposta em duas conferências dedicadas ao tema, a primeira das quais agendada já para o próximo dia 30 de março.

De acordo com informações publicadas esta quarta-feira pela Capela do Rato, a histórica comunidade católica situada no centro da cidade de Lisboa vai promover duas sessões de debate centradas nas “muitas inquietações e perguntas por responder” depois da apresentação do relatório da comissão independente.

A primeira sessão está agendada para o dia 30 de março, quinta-feira, às 21h, e contará com as intervenções do antigo procurador-geral da República José Souto de Moura (coordenador nacional das comissões diocesanas de proteção de menores e atual coordenador da comissão de proteção de menores do patriarcado de Lisboa), da pedopsiquiatra Francisca Padez Vieira (perita do Instituto de Medicina Legal, que também pertence à comissão de proteção de menores do patriarcado) e da cineasta Catarina Vasconcelos (que foi um dos seis elementos da comissão independente que estudou o assunto ao longo do último ano). A sessão vai ser moderada pela jornalista Rosa Pedroso de Lima, do jornal Expresso.

Este primeiro debate será subordinado ao tema “E agora: Qual impacto dos abusos nas vítimas, quais as respostas necessárias e qual o papel das Comissões Diocesanas no futuro?” Uma segunda sessão, ainda sem data marcada, deverá debruçar-se sobre o tema “E agora: Como sanar as múltiplas feridas desveladas e prevenir o futuro?”

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Ainda segundo a informação divulgada pela Capela do Rato, o debate deverá girar em torno de um conjunto de perguntas-chave, incluindo: “Como se sentiram as vítimas, antes e agora? Qual o impacto dos abusos nas suas vidas e na sua saúde física, psicológica e espiritual? Como vai ser feita a ligação entre as Comissões Diocesanas e quem vai acompanhar e cuidar das vítimas no futuro? Existe necessidade de criação de uma nova Comissão Independente? Se sim, com que papel?”

A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa foi criada no final de 2021 por iniciativa da Conferência Episcopal Portuguesa, com o objetivo de estudar o fenómeno dos abusos na Igreja em Portugal desde a década de 1950 até aos dias de hoje. O grupo de trabalho foi liderado pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht e composto pelo psiquiatra Daniel Sampaio, a socióloga Ana Nunes de Almeida, o ex-ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio, a assistente social Filipa Tavares e a cineasta Catarina Vasconcelos.

O trabalho da comissão durou pouco mais de um ano e o seu relatório final foi apresentado em fevereiro deste ano. O documento final, com perto de 500 páginas, revelou pela primeira vez uma estimativa do que terá sido a realidade dos abusos na Igreja em Portugal: a partir de 512 testemunhos considerados válidos, a comissão estimou a existência de 4.815 potenciais vítimas entre 1950 e 2022. A comissão independente elaborou também uma lista com todos os alegados abusadores identificados pelas vítimas no decurso da investigação — que foi entregue, já este mês, aos bispos portugueses.

A entrega destas listas acabaria por assumir o protagonismo do debate público em torno do assunto, uma vez que a primeira reação dos responsáveis da hierarquia católica foi a de caracterizar o documento como uma mera lista de nomes, muitos dos quais de sacerdotes já falecidos, a partir da qual seria difícil conduzir alguma investigação consistente. Cerca de três semanas depois da entrega da lista aos vários bispos portugueses, todas as dioceses já anunciaram o destino que deram ao documento: pouco mais de uma dezena de sacerdotes foram afastados das suas funções em todo o país.

A Capela do Rato, situada nas proximidades do Largo do Rato, no centro de Lisboa, é célebre por se ter tornado num dos mais importantes centros da vida cultural e intelectual da Igreja Católica em Portugal. Foi naquele lugar que, em dezembro de 1972, se realizou uma vigília de oposição ao regime do Estado Novo e à guerra colonial, que ficaria conhecida como Vigília da Capela do Rato — cujos 50 anos se comemoraram no final de 2022. Entre 2009 e 2018, o capelão da Capela do Rato foi o padre e poeta José Tolentino Mendonça, hoje cardeal e ministro da Cultura do Papa Francisco. Atualmente, o capelão é o padre e professor universitário António Martins.