O Governo espera lançar o concurso para a compra de 12 comboios de alta velocidade ferroviária na mesma altura em que forem iniciados os procedimentos para a obra da infraestrutura, o que está previsto acontecer até ao final deste ano.

A indicação, dada pelo secretário de Estado das Infraestruturas no Parlamento, retira alguma pressão temporal ao saneamento da dívida histórica da CP, uma operação fundamental para a empresa conseguir financiamento privado para pagar este material circulante sem o recurso a dinheiros públicos. Frederico Francisco, que esteve na audição regimental ao ministro João Galamba esta quarta-feira no Parlamento, confirmou a ligação entre as duas operações. A aquisição de material circulante para os serviços que estão em ambiente comercial depende do financiamento da dívida histórica da CP, que por sua vez, irá dar saúde financeira à operadora para poder financiar-se no setor privado e pagar os novos comboios que não podem ser financiados pelo Estado e pelos fundos comunitários.

A primeira fase da linha Lisboa/Porto entre Porto e Aveiro está em avaliação ambiental, existindo a expectativa de obter a declaração favorável este ano para lançar o concurso de empreitada no final de 2023 ou início de 2024. As obras irão para o terreno em 2025 e estarão concluídas em 2028, o que dá uma margem de segurança temporal para realizar o concurso dos 12 comboios e aguardar a sua entrega.

No entanto, e para iniciar a operação dos comboios, não é necessário esperar pela conclusão do primeiro troço da alta velocidade, já que estes vão poder circular na atual infraestrutura e reforçar a exploração da CP dos serviços de longo curso. Essa foi aliás uma das razões pelas quais se optou por construir a nova linha em bitola ibérica, em vez de europeia.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Este é mais um compasso de espera na operação de 1,8 mil milhões de euros prevista desde 2022. Começou por ser inscrita na proposta Orçamento do Estado de 2022, na altura visto como uma vitória do então ministro Pedro Nuno Santos no braço-de-ferro com o ministro das Finanças João Leão. Caiu com o chumbo do Orçamento em outubro de 2021, para ser retomada no novo Orçamento do Estado de 2022 e na proposta orçamental para 2023. Já no ano passado, e perante o risco da CP vir a perder negócio no longo curso para empresas concorrentes, por falta de condições financeiras para comprar comboios, Pedro Nuno Santos defendeu: “Era só o que faltava que viessem comboios de operadoras internacionais, mas não estamos livres disso. por isso precisamos urgentemente de sanear aquela dívida”.

Saneamento do passivo da CP avança em 2023. Compra de comboios será feita com dívida, mas operação vai pagar

Esta quarta-feira, o secretário de Estado adiantou aos deputados que a operação está a ser trabalhada com o Ministério das Finanças para a notificação à Comissão Europeia que terá de autorizar este financiamento ao abrigo das ajudas de Estado. Essa é uma das matérias que estará na origem da demora. Isto porque o Governo quer evitar a repetição do que aconteceu com o apoio público à TAP que, numa primeira fase após a entrega do plano de reestruturação, suscitou a abertura de uma investigação aprofundada das autoridades europeias da concorrência que poderiam ter considerado ilegal a ajuda do Estado.

Desde que em 2021 foi anunciada a intenção de dedicar 1.800 milhões de euros ao saneamento da CP que a DG Comp começou a colocar perguntas às autoridades portuguesas sobre a operação e os contactos informais continuam, mas a notificação formal ainda não foi feita. Nem se conhecem os contornos desta operação que, segundo afirmou o ex-ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos, não implicará um agravamento da dívida pública. A CP é uma empresa classificada nas administrações públicas, o que significa que já é considerada nos cálculos da dívida e do défice público.

Os 12 novos comboios estão orçados em 330 milhões de euros e, ao contrário das duas grandes aquisições já lançadas pela CP — 22 automotoras para o serviços regional e 117 automotoras para os serviços regional e urbano —, não podem ser financiados pelo Estado porque se destinam a uma operação que fica fora do contrato de serviço público assinado com a empresa. O transporte de longo curso de passageiros está liberalizado, o que significa que pode ser prestado por outros operadores. No caso da futura linha de alta velocidade que vai aos maiores polos populacionais a expectativa é a de seja uma operação com lucro que irá gerar proveitos para a CP pagar os novos comboios. Mas também atrair empresas concorrentes.

Para além da aposta no reforço do serviço ferroviário e da sustentabilidade da CP, o Governo quer que a renovação do parque de material circulante da empresa sirva de âncora ao regresso da indústria ferroviária a Portugal.

Da fábrica de comboios à “sucata” e a venda de empresas estratégicas como a TAP. A audição de Galamba há 80 dias nas Infraestruturas

A primeira encomenda de 22 automotoras feita em 2018 aconteceu depois de muitos anos em que a renovação de comboios não teve a dimensão para assegurar grande incorporação nacional. O concurso de 117 automotoras para os serviços urbanos e regionais, que tem um valor base de 819 milhões de euros, valoriza as propostas que tenham produção em Portugal. Das seis propostas apresentadas, três foram escolhidas para a fase de negociação.