Pedro Santana Lopes não poupa críticas a Marcelo Rebelo de Sousa. Para o antigo primeiro-ministro, o Presidente da República “estranhou a maioria absoluta” de António Costa, “quis marcar o seu território”, “sente-se um pouco livre de dizer tudo” e entrou em permanente confronto com o Governo. “Nos segundos mandatos, os Presidentes zangam-se sempre com os governos. Aconteceu sempre isso. É uma realidade nestes segundos mandatos, o que é uma tristeza”, lamenta.

Em entrevista ao Observador, no programa “Direto ao Assunto”, Santana Lopes elogiou de resto o “poder de encaixe” de António Costa. “É um facto. É muito difícil um primeiro-ministro estar a governar e ter um órgão de soberania com estas tensões. Temos [historicamente] sempre estas tensões. Com Marcelo, que tem campo aberto devido à popularidade que tem e ao apoio que granjeou, sente-se livre para dizer tudo. É o nosso modelo que convida a isso, infelizmente. Começo a dar razão à tese de quem defende um só mandato”, sugeriu o atual presidente da Câmara da Figueira da Foz.

Santana Lopes ataca Marcelo: “É uma tristeza”

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Mesmo sublinhando que “Marcelo tem razão em várias coisas que diz”, Santana estabelece uma linha: “A questão é como Marcelo diz e onde diz. É muito difícil a um primeiro-ministro ouvir que o seu Presidente da República está a criticar corriqueiramente. O que António Costa tem ouvido todos dias é muito duro. Neste momento, acho que as coisas estão a sair um pouco fora do controle”, insistiu. Ainda assim, Santana acredita que os dois — Marcelo e Costa — “têm elasticidade e jogo de cintura suficientes” para reporem a normalidade na relação institucional.

Santana condenou também a forma como Marcelo tem esvaziado o espaço que deve ser o da oposição, nomeadamente o do PSD. “Marcelo tem feito o papel da oposição. E isso não ajuda à construção da alternativa. Passa a vida a dizer que não há alternativa e agora veio com esta teoria de que o maior partido tem de ter mais do que o dobro do somatório dos outros partidos. Por amor de Deus. Isso varia com as circunstâncias.”

Seja como for, o antigo presidente do PSD, entretanto desfiliado do partido, não deixou de reconhecer que é urgente, de facto, criar uma alternativa e que isso está nas mãos de Montenegro. “Se pode chegar lá? “Poder, pode. Há aquela teoria, que não correu bem a Rui Rio, de que basta estar lá sentado que o poder há-de passar à porta. Não é sempre assim“, alertou Santana.

Aliás, numa altura em que se discute muito a importância das eleições europeias para o próximo ciclo político, em particular para a continuidade de António Costa, o autarca da Figueira defendeu que Montenegro tem poucas alternativas. “Se fosse hoje, Luís Montenegro tinha obrigação de ganhar as eleições europeias. Ou de não as perder, empatar. Se perdesse por uma distância grande, com certeza com os tambores do PSD voltariam a soar”.

Em dezembro, a propósito da questão da eutanásia e da intervenção de Pedro Passos Coelho, Santana Lopes sugeriu que Pedro Passos Coelho estava “a marcar espaço” para as presidenciais ou para a liderança do PSD “se isto correr muito mal a Luís Montenegro”. Confrontando com tudo o que se tem dito e escrito sobre Passos nas últimas semanas, Santana reiterou a convicção de que Passos procurou “marcar esse espaço“, mas deixou outra certeza: “Não acredito que faça algo contra Luís Montenegro”.

Os homens de Montenegro também não. Como explicava aqui o Observador, alguns dos mais destacados dirigentes do PSD têm a certeza de que o antigo primeiro-ministro nunca será candidato contra o atual presidente do partido. Um teria de sair para que outro tivesse caminho livre — e é muito pouco provável que o Montenegro o queira fazer em circunstâncias minimamente favoráveis.

Passos foi desafiado no pós-Rio, resistiu, mas a sombra mantém-se e atrapalha. Até às europeias?

*Texto atualizado às 2oh52 com clarificação sobre posição de Santana Lopes