A invasão da Ucrânia pela Rússia, marcada por bombardeamentos constantes, obrigou os ucranianos a habituarem-se a viver num ambiente hostil, onde a qualquer momento uma bomba pode atingir a sua rua, ou mesmo a própria habitação, os soldados inimigos podem bater à porta sem ninguém esperar e a água canalizada e a eletricidade se tornam bens de luxo.

A guerra obriga também a uma reinvenção das próprias profissões como acontece, por exemplo, com os eletricistas na região de Donetsk. Se até fevereiro de 2022, o trabalho passava por uma tarefa simples numa casa comum, com recurso apenas a ferramentas como chaves de fendas, alicates e amperímetros, agora o dia a dia passou a ser vivido com um colete à prova de balas e um capacete constantemente equipados durante as horas de trabalho.

Como conta o El Mundo, um cabo elétrico que tenha sido destruído pela explosão de uma bomba russa passou a fazer parte do quotidiano profissional deste batalhão que combate a escuridão. Para Vitali Asinenko, responsável pela Dtek — maior empresa privada de eletricidade da Ucrânia — na região de Pokrovsk, em Donetsk, os funcionários são autênticos “soldados da luz“.

Prestamos serviços a 170 mil clientes em toda a nossa região“, afirmou ao jornal espanhol. “Às vezes temos de ir ao mesmo sítio várias vezes porque os ataques repetem-se e deixam sem luz a mesma zona. Cada dia há 30 brigadas a trabalhar na área de Pokrovsky e um total de 65 brigadas em toda a província de Donetsk.”

Ao perigo de cair de um poste de eletricidade ou de tocar num cabo de alta tensão juntou-se o perigo de ser atingido por uma bala ou ser apanhado no meio de um bombardeamento. Pelo menos 14 funcionários desta empresa morreram desde o início da guerra e dezenas ficaram feridos em todo o país. “Desde que começou a invasão tivemos seis feridos só por estilhaços”, contou ainda Vitali Asinenko. “Também perdemos uma grua em dezembro. Os russos viram-nos a trabalhar e começaram a lançar morteiros. Os trabalhadores puderam esconder-se mas o veículo ficou destruído.”

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Ao El Mundo, o veterano da empresa Valery Kuznetsov contou que já teve de fugir do local onde se encontrava a trabalhar por as bombas começarem a cair ao seu redor. No início de fevereiro, Kuznetsov encontrava-se no cimo de uma grua quando começou um bombardeamento. “Tivemos de baixá-la e acelerar para fugir daquela zona.”

No outro dia, passou um vizinho não muito longe daqui e cumprimentou toda a gente. Tinha caminhado cerca de cem metros quando foi atingido por um míssil que o matou”, revelou.

No ano passado, Moscovo definiu como um dos seus objetivos danificar o fornecimento de eletricidade no território ucraniano, uma tática de guerra que, combinada com os duros invernos que se sentem no país, tinha como propósito desgastar as tropas de Kiev. No mês de outubro, começaram os ataques a instalações de fornecimento de eletricidade. Desde então, segundo o jornal espanhol, as instalações foram alvo de mais de 2.500 bombardeamentos, incluindo mais de 15 ataques em larga escala de mísseis com cerca de 700 foguetes. Os cálculos foram realizados pelo diretor da Dtek, Dmytro Saharuk.

O plano do inimigo era um apagão total”, afirmou Dmytro Saharuk. “A idade da pedra para os ucranianos, como dizia a propaganda russa.”

Vitali Asinenko reconheceu que, antes da invasão, o principal objetivo da Dtek era melhorar a rede de distribuição, mas desde que Moscovo iniciou o ataque à Ucrânia a empresa de eletricidade passou apenas a “remendar” a rede.