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Foi um episódio “inesperado”. O grupo de soldados ucranianos, liderado pelo neozelandês Kane Te Tai, avançava pelo abrigo russo numa operação de reconhecimento, depois de uma rápida batalha contra as forças de Moscovo. O militar seguia em frente com cuidado, atento ao aparecimento de inimigos, sem imaginar que iria encontrar naquele lugar um companheiro que achava ter perdido.

“Nova Zelândia, Nova Zelândia”, gritou uma voz conhecida. “Meu irmão”, replicou Te Tai emocionado. O episódio — um momento de resgate raro numa guerra que se prolonga há mais de um ano — foi narrado pelo próprio numa das últimas publicações que partilhou nas redes sociais, antes de morrer a combater junto das forças ucranianas.

“Mal se parecia com o homem que conheci há uns meses atrás. Mas foi a melhor coisa que me aconteceu nesta guerra”, assumiu o militar, de 38 anos, conhecido por documentar o seu dia a dia num país em guerra.

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[Ouça aqui o segundo episódio da série em podcast “O Sargento na Cela 7”. Uma história de guerra, de amor e de uma operação secreta.]

Oriundo da Nova Zelândia, Te Tai juntou-se no ano passado à Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia. A sua morte foi confirmada na quinta-feira pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros do país natal, citando fontes do governo ucraniano.

Com um passado no ramo militar neozelandês — marcado por um período enquanto formador no Afeganistão — Te Tai partiu rumo à Ucrânia em maio de 2022. O plano? “Ajudar em tudo o que puder”, disse na altura em entrevista à TVNZ, mostrando-se disposto a partilhar os seus conhecimentos para formar os soldados ucranianos e, se necessário, pegar em armas “para se defender”.

“Espero voltar (…) Mas se não conseguir, vivi muitos bons momentos”

Te Tai serviu durante dez anos no exército da Nova Zelândia. Em 2010, reformou-se do ramo militar, acabando por arranjar trabalho numa empresa de construção. Quando a guerra na Ucrânia começou, em fevereiro de 2022, decidiu partir, apesar dos protestos da família.

“Nós tentamos impedi-lo de ir [para a Ucrânia], mas ele estava decidido”, disse ao RNZ a mãe do combatente. “Eu aceitei que era o que ele queria fazer, mas não aceitei a possibilidade de nunca mais voltar a vê-lo“, admitiu, acrescentando que espera que o corpo do filho seja recuperado.

Esse trabalho já está em progresso, pelas mãos de um grupo de voluntários. “Estamos a juntar todas as peças, um número de voluntários e pessoas interessadas desde a Nova Zelândia à Ucrânia e muitos pelo meio que estão a unir-se para que isso aconteça“, explicou à rádio neozelandesa Aaron Wood, um amigo de Te Tai.

[Ouça aqui o primeiro episódio da série em podcast “O Sargento na Cela 7”.  A história de António Lobato, o português que mais tempo esteve preso na guerra em África.]

Reconhecendo que há desafios, Wood mostrou-se confiante de que será possível trazê-lo para casa. “Ele tinha um grande coração e adorava ajudar as pessoas”, disse ainda ao jornal The Guardian, explicando que os dois criaram a “No Duff Chariteble Trust”, uma organização para apoiar os veteranos neozelandeses.

Te Tai é o terceiro neozelandês a morrer na Ucrânia ao longo do último ano. Ao seu nome soma-se o de Dominic Abelen, um combatente que morreu em agosto na região de Donetsk, e o de Andrew Bagshaw, um cientista de nacionalidade neozelandesa e britânica que morreu durante uma missão humanitária no leste da Ucrânia.

Quando partiu da Nova Zelânia, o combatente estava bem ciente dos riscos e da possibilidade de não regressar, como explicou à TVNZ: “Espero voltar. Vai ser ótimo ver a minha casa de novo. Mas, se não conseguir, tive muitos bons momentos e conheci muitas boas pessoas … Então, de certo modo aceito isso”.