A Autoridade da Concorrência (AdC) disse que o acórdão do Tribunal Constitucional (TC) que pode comprometer processos com coimas de milhões de euros “não tem força obrigatória e geral”.

Numa resposta à agência Lusa, a AdC afirmou que o acórdão apenas tem efeitos “no processo em que foi proferido e que nem ainda transitou em julgado”.

“A AdC sempre pautou a atuação pelo estrito cumprimento da legalidade e não se desvia da missão, mantendo-se focada no propósito de defender e promover a concorrência em prol de todos, contribuindo para um país mais próspero”, salientou.

A AdC acrescentou que estão a ser avaliadas eventuais reações processuais.

Na sexta-feira, a apreensão de correio eletrónico pela AdC com mandado do Ministério Público foi considerada inconstitucional num processo que visou a Jerónimo Martins.

Fonte judicial dizia que poderia afetar vários processos com coimas de milhões de euros.

Num acórdão do passado dia 16, que teve como relatora a juíza conselheira Joana Fernandes Costa, consultado pela Lusa, o TC julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela Jerónimo Martins e pela Pingo Doce — Distribuição Alimentar da decisão adotada em março de 2020 pelo Tribunal da Relação de Lisboa (TRL).

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Nesse acórdão, o TRL havia confirmado o entendimento do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), que, em junho de 2019, indeferiu a impugnação das diligências de busca e apreensão realizadas pela Autoridade AdC entre 7 e 27 de fevereiro de 2017, com base num mandado emitido pelo Ministério Público (MP), no âmbito de um processo contraordenacional por práticas restritivas da concorrência.

Na decisão agora tomada, o TC julgou inconstitucional a norma extraída do Regime Jurídico da Concorrência, segundo a qual, em processo contraordenacional por prática restritiva da concorrência, é permitida à AdC a busca e apreensão de mensagens de correio eletrónico abertas mediante autorização do MP, determinando que o acórdão do TRL seja reformado.

Fonte judicial disse à Lusa que a decisão agora adotada pelo TC, no sentido de que a autoridade judiciária referida na Lei da Concorrência tem de ser forçosamente um juiz de instrução criminal (JIC) e não o MP, vai pôr em causa processos em curso que totalizam coimas superiores a mil milhões de euros.

À exceção do chamado “cartel da banca” — que aguarda decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia -, no qual as buscas foram realizadas por um juiz de instrução, podem estar em causa processos como os que envolvem cadeias de grande distribuição alimentar e de bebidas, o cartel dos seguros, o dos hospitais privados/ADSE, ou o dos laboratórios relativos aos testes da Covid-19.

O TRL e o TCRS, em Santarém, que julga estes processos em primeira instância, têm seguido o entendimento de que seria suficiente o mandado do MP, por estarem em causa documentos e não correspondência nem a privacidade ou a vida privada dos visados.

A Lei da Concorrência estabelece que as apreensões de documentos, independentemente da sua natureza ou do seu suporte, são autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho da autoridade judiciária, o que abrange o juiz de instrução e o MP.

No caso dos bancos, a lei especifica que a apreensão tem de ser feita por um juiz de instrução.

A decisão do TC contou com voto de vencido do juiz conselheiro Afonso Patrão, que defendeu que a busca e apreensão de mensagens de correio eletrónica marcadas como abertas em processos contraordenacionais por prática restritiva da concorrência é inconstitucional, por entender que tal só é admissível em processos criminais.

O acórdão mereceu, ainda, declarações de voto dos juízes conselheiros João Caupers e Lino Ribeiro, que, não obstante, votaram favoravelmente.