A edição infanto-juvenil portuguesa está a revelar uma criatividade que parece imparável, fazendo — e não surpreenderia — com que graúdos e velhos peçam a filhos ou netos que lhes mostrem o que estão a ler… Planeta Tangerina, Pato Lógico e Orfeu Negro (entre outras, mas estas são as principais) parecem competir entre si na inovação e renovação literária e plástica dum género editorial que, com esta nova geração de grandes talentos, tem tudo para ganhar maior importância para o efetivo desenvolvimento da fantasia e da imaginação dos mais pequenos à medida que o digital e o audiovisual de entretenimento, repetitivo, viciante e demencial — muito comum em ambientes familiares em que toda a educação foi praticamente delegada à Escola — exibe a sua tenaz de embrutecimento. E esse bom ambiente competitivo está a colocar nas estantes livros que encantam pela sua aparente simplicidade, que outra coisa não é que a síntese polida de bons ofícios cruzados e em diálogo, quais laboratórios de criatividade transpostos para brochuras de papel, e nos quais as inquietações ambientais e o livro como objeto de civilização, e a tipografia que lhe dá forma, são também alguns dos temas recorrentes (com belos resultados, como já aqui escrevemos noutras ocasiões).

Sirvam de exemplo, ainda assim, A Volta ao Mundo em Papel da catalã Martina Manyà, impresso há pouco na coleção Orfeu Mini em “3500 folhas de papel, com origem em florestas sustentáveis” (p. 56, final) — uma viagem na História que os personagens-leitores feita numa bicicleta para dois; Desenha Tudo o que Quiseres de Madalena Matoso (Planeta Tangerina, Novembro de 2022, 48 pp.), que convida à co-autoria infantil em folhas grandes, um exuberante 35 x 27 cm de que os mundos vegetal e animal estão em evidência; Pequeno e Preciso: o Cavalo-Marinho de Joana Bértholo (Pato Lógico e Imprensa Nacional, Dezembro de 2021, 48 pp.), com desenhos de Mariana Malhão, que convoca esse simpático animal afinal em perigo na Ria Formosa; Os Peixes que Fugiram da História de Maria João Freitas e Mariana Rio (Pato Lógico, Novembro de 2022, 64 pp.); sem esquecer Um Ano Inteiro. Almanaque da Natureza, de Isabel Minhós Martins e Bernardo P. Carvalho (Planeta Tangerina, 20212, 176 pp.), sugerindo passeios e observações em plena natureza, da manhã à noite.

Noemi Viola, neste Se Choras como Uma Fonte dedicado a “todos os que têm vontade de chorar”, vai por outro caminho certamente, na verdade avança por todo um mar de lágrimas, pois, diz ela à minhoca-personagem, “chorar serve para muita coisa, mas tens de chorar MELHOR!”. E mais à frente: “Podes sempre chorar sozinho. Mas chorar com companhia é ainda melhor”, ou “chorar não tem mal nenhum: é uma língua universal. Até se entende melhor do que o inglês”.


Título: “Se Choras como uma Fonte”
Texto: Noemi Vola
Editor: Planeta Tangerina

Páginas: 46
Preço: 17 € 

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Parte daí para um caleidoscópio de situações divertidas e inusitadas. Três exemplos, apenas: “podes chorar em qualquer ocasião, até no dia dos teus anos. Aliás, é uma ótima maneira de apagar as velas”; “Se te sentires triste por volta da hora do almoço, acende o fogão e chora até encheres uma panela. Quando as lágrimas começarem a borbulhar, acrescenta a massa e tempera a gosto. Nem precisas de juntar sal”; “Se alguma vez deres por ti a chorar na sala, basta pores um bocadinho de detergente… e o teu chão ficará resplandecente”. O porco rosado na casa de banho lacrimeja sobre a escova de dentes e, mais torrencialmente, enche a banheira para o banho do cão!

O fantasioso dos desenhos nunca sai da cena da página colorida a aguarela, como o tema aliás obriga… Temos, então, a minhoca choramingas como longa mangueira desenrolada de um carro de bombeiros, e a minhoca chorosa feita hortelão de chapéu de palha na cabeça (“Se chorares no verão ainda ajudas os tomates a amadurecer”). Até o ET de Spielberg, no seu planeta distante, é convocado para “Se alguma vez te acontecer chorar quando estás longe de casa, não te preocupes: vão compreender-te”). Nas guardas do livro todos choram copiosamente, inclusive o crocodilo, claro (e a pedra da calçada…): outros heróis infantis, como o elefante Babar e o Spiderman, e sobretudo a fauna e flora mais variada, do avestruz à hiena, do caracol ao porco e à foca, do ratinho ao dálmata, do ganso ao canguru — num provável convite, uma vez acabada a história, para um jogo final de identificações…

Uma pequena maravilha, sem preço. Queremos mais. Choremos, pois, agora, por um próximo livro de Noemi Vola.