A produtora de televisão russa que em há um ano ergueu um cartaz de protesto contra a guerra, durante uma emissão noticiosa em direto, deu uma entrevista à BBC onde diz que o seu próprio filho lhe chamou “traidora” e que a sua família é uma das milhões de famílias que estão a ser “destruídas pela guerra”. Marina Ovsyannikova diz que há muito que a televisão russa se transformou numa “gigantesca máquina de propaganda” e avisa que, pela sua experiência, só uma pequena maioria das pessoas que trabalham nos media são, realmente, pró-Putin.
“O meu filho chama-me traidora, diz que traí a nossa família e a nossa pátria“, afirmou Marina Ovsyannikova, à BBC. “Posso dizer que coisas como esta acontecem em milhares de famílias, a guerra está a destruir muitas famílias – e isto é uma catástrofe real porque os russos foram destruídos por Putin não apenas fisicamente pelo facto de ele os enviar para a guerra mas, também, a nível psicológico”, afirma.
A ex-produtora televisiva, cujo último paradeiro conhecido é a capital francesa, diz que “a Rússia é um país que, hoje, está numa profunda depressão, há uma apatia geral e milhões de pessoas simplesmente não fazem ideia daquilo que o futuro lhes reserva”.
Ainda assim, Marina Ovsyannikova tem a expectativa de um dia poder voltar à Rússia, embora reconheça que esse regresso seria demasiado perigoso se fosse feito enquanto Vladimir Putin estiver no poder. “Não posso regressar agora. Mas vejo um futuro para mim que passa por voltar à Rússia. O meu filho está lá, a minha família, a minha mãe… E eles não querem sair do país”.
No que a mim diz respeito, não sinto indiferença em relação ao futuro do país e vou lutar por esse futuro, mesmo estando fora da Rússia”, garante.
A produtora recorda que, nos primeiros dias da guerra, sentiu “vergonha” por aquilo que a Rússia estava a fazer na Ucrânia. Teve “emoções ambivalentes” sobre o protesto que acabaria por concretizar: “Houve vários fatores que se juntaram. Ao longo de muito tempo fui-me apercebendo que a televisão russa se tinha tornado uma gigantesca máquina de lavagem cerebral. Por outro lado, eu tenho raízes ucranianas, o meu pai é ucraniano – [o protesto] foi uma espécie de libertação emocional e honestamente nem sequer pensei naquilo que, depois, me aconteceria se fosse em frente”.
Esta propaganda é concebida ao mais alto nível… Quem trabalha nos canais de televisão e imprensa não acredita naquilo, pensam de forma parecida com a minha – podemos dizer que as pessoas [que trabalham nas televisões] que são realmente pró-Putin são 10%, 20%, no máximo”.
Marina Ovsyannikova diz que isso pode ser um indicador de que uma revolta interna contra Putin é possível – sendo claro que isso tem de partir das elites do país. “Penso que este é o primeiro sinal de que a elite russa deve ponderar, e talvez a partir daí se gere algum tipo de resistência no seio da elite russa que possa derrubar Putin – pelo menos é disso que tenho esperança”.
[Ouça aqui o primeiro episódio da série em podcast “O Sargento na Cela 7”. A história de António Lobato, o português que mais tempo esteve preso na guerra em África.]