Na semana em que foi assinado o pacto entre Governo, distribuição e produção para o IVA descer a zero em alguns produtos alimentares, Fernando Medina foi explicar à RTP porque mudou de opinião em relação a esta medida, que foi sempre afastada pelo Governo até à semana passada. O ministro das Finanças assumiu que houve uma mudança: a determinação de que era possível essa descida com um acordo com a distribuição e com a produção, explicou Fernando Medina, ministro das Finanças, em entrevista à RTP, lembrando o que aconteceu em Espanha que não foi visível a descida no preço final, porque foi uma descida “unilateral”. Se este foi o tema dominante da entrevista, em que Medina garantiu que o Governo devolveu todo o dinheiro arrecadado a mais em impostos com a inflação, ainda houve a confiança do ministro das Finanças de que o despedimento da presidente executiva e do não executivo da TAP está escudado pela auditoria da IGF.

E, mesmo a cair o pano da entrevista, Fernando Medina diz que ouviu com “naturalidade” as declarações de Marcelo Rebelo de Sousa de que o ministro tem de olhar para trás para ver se há algo suscetível de criar problemas. “Eu exerço funções públicas há cerca de duas décadas, tomei dezenas de milhares de decisões, tenho a convicção de que sempre tomei decisões orientadas na defesa do interesse público e na defesa da legalidade”. Para Medina, o Presidente faria essas declarações “ genericamente sobre outra pessoa”.

Quanto à investigação na Procuradoria Geral da República a contratos feitos na Câmara de Lisboa quando foi presidente, Medina garantiu, agora, à RTP que ainda não lhe foi solicitado qualquer esclarecimento por parte da PGR. Medina declarou em janeiro que iria solicitar à PGR que “possa ser ouvido para prestar todos os esclarecimentos que o Ministério Pública entenda”.

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E por isso quando questionado sobre se se demitiria se fosse tornado arguido não fugiu às respostas que tem dado: “Não sei qual é o processo, não fui confrontado com nenhum elemento. Tenho mais de duas décadas de serviço público e a consciência de que tudo fiz na defesa do interesse público”, e por isso diz ser “normal” que num “estado democrático haja investigações, já tive enquanto presidente da câmara inspeções da IGF, do tribunal de contas. E o Ministério Público tem obrigação de fazer investigações”, até quando há queixas anónimas. O dever, diz, é “apoiar a investigação, estar disponível”, assumindo encarar “com normalmente as investigações. É o estado de direito a funcionar”.

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Nas perguntas finais, sobre a TAP, no dia em que começaram as audições na comissão de inquérito, Medina garante ter grau de segurança que “dá o relatório da IGF” para a demissão de CEO e chairman da TAP. “Foi cometida uma ilegalidade rotulada de grave”, e em função disso foi tomada decisão de demitir os gestores. “Temos convicção plena da justiça dos argumentos que resultam dessa apreciação”, realçando que a decisão foi tomada após a auditoria da IGF que “com toda a sua autonomia e credibilidade” fez as averiguações. As decisões foram tomadas depois. “Naturalmente cada um não concordando com as decisões poder fazer o seu recurso. Tenho confiança que tomámos a decisão certa num virar de página que a companhia precisa”.

O Ministério das Finanças mudou a forma de olhar para a TAP? “Desde que assumi a pasta desenvolvi e exerci competências plenas que a lei me atribui para acompanhar empresas como a TAP em colaboração e articulação estreita com os dois ministros das Infraestruturas”, diz Medina, assumindo que a lei determina as funções de cada um.

IVA zero avançou mesmo quando Governo viu “real e genuína vontade” de acordo

As negociações para o IVA zero puderam avançar quando o Governo percecionou “uma real e genuína vontade de chegar a acordo” com as outras duas partes, distribuição e produção. “Conseguimos criar um quadro bastante diferente, de transferência para o bolso dos portugueses da receita de IVA que o Estado arrecadaria”, afirmou o ministro, salientando que antes deste momento “não houve condições [antes] para esse acordo”. Sem acordo ficaria no caráter discricionário das cadeias de distribuição, assumiu, salientando também a entrada neste acordo da produção.

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O acordo “dá-nos a confiança que vamos ter uma diminuição no bolso do consumidor”, reforçou Medina, explicando que o acordo “tem uma inovação” de incluir o setor da produção, da CAP e outras associações. A CNA não está incluída no acordo e já criticou.

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Medina demonstrou várias vezes que tem confiança no acordo tanto para descer o preço, mas ainda mais para estabilizá-lo.

Em entrevista à RTP, Medina foi questionado por várias vezes sobre a mudança de opinião em relação ao IVA. A poupança que reverterá, num cabaz de 200 euros, será de 12 euros por mês. “É mais um contributo que é dado” e “se for acompanhado num esforço de estabilização dos preços tem impacto”. O custo estimado pelo Governo para o IVA zero para o Estado é de 410 milhões de euros. Uma medida voltada para quem mais precisa em vez do IVA zero? “Neste programa a medida mais importante do ponto de vista de impacto financeiro foi a medida de apoio às famílias vulneráveis”, que custa 700 milhões de euros, com os 30 euros de apoio por mês além de um complemento de 15 euros para os filhos que recebem até ao quarto escalão do abono de família. “Foi ponderado [dar tudo às famílias vulneráveis], mas uma das razões que nos levou à medida do IVA foi a de procurar uma certa estabilização dos preços”, assumiu Medina. O IVA é hoje considerado um imposto que penaliza mais as famílias de mais baixo rendimento, reforça Medina para justificar a opção pela medida. “Esse é o argumento para fazer a descida do IVA”.

Por ter um impacto maior nas famílias de mais baixos rendimentos “é que optámos por esta medida”, sustentou o ministro das Finanças. A fixação de preços continua a ser para o Governo afastada, já que há risco de faltar produtos nas prateleiras. “O tabelamento de preços teria como consequência direta de o possível desaparecimento dos bens na distribuição e o seu aparecimento no mercado paralelo”.

O que se procura é estabilização de preços? Não vai voltar a haver descida? “Haverá produtos que não regressarão, haverá outros que regressarão e poderão baixar”, acredita Fernando Medina. Há custos de produção e distribuição que os preços estão a voltar, pelo que o ministro das Finanças acredita que a diminuição de preços em algumas áreas pode voltar aos preços finais.

Quanto à proposta de aumentar a função pública, de forma intercalar, em 1%, Medina afirma que “estamos a corrigir a inflação relativamente aos dados passados que estiveram na base do aumento de 5,1%”. É uma questão de “justiça em relação ao acordo” com a função pública. “Não podemos ter no momento de controlo da inflação e em que a inflação core está em valores bastante acima do que queremos que esteja temos de ter uma abordagem prudente e equilibrada. Chama-se equilíbrio”, sustentou, quando questionou sobre a espiral inflacionista de aumento dos salários.

“Para 2023 seguimos uma política de rendimentos e de salários que foi diferente da que tinha sido desenvolvida em 2022. Em 2022 tivemos as eleições e depois os longos meses até à posse, houve orçamento em maio, e havia discurso do BCE que estávamos perante uma situação temporária e transitória [da inflação]. A situação da análise do BCE começa a virar a partir de setembro, e nós imediatamente fizemos uma adaptação da nossa política”. E aí Medina diz que o Governo corrigiu, com medidas anunciadas em outubro e o acordo de rendimentos celebrado com a função pública e com os parceiros sociais.

“Não seria responsável nem verdadeiro da minha parte dizer que num processo de crise inflacionária nós conseguíamos assegurar que ninguém tem perda de poder de compra. Não posso assegurar isso, porque não é verdade. Podemos dizer é que temos de ter condução muito equilibrada, fina e exigente entre conseguirmos por um lado atendermos à manutenção dos rendimentos — e em relação a alguns extratos manter os rendimentos inequivocamente — conseguir esse equilíbrio de proteção de nível e rendimentos, em particular dos mais vulneráveis, mas não adicionarmos nós através da política um prolongamento da inflação elevada, quem paga essa inflação mais elevada são os portugueses”.

Questionado se não seria melhor mexer no IRS, Medina refugia-se nas medidas aprovadas no Orçamento com a mexida nas taxas de IRC, a subida do mínimo de existência e a sua revisão, aumento do valor da dedução para segundo filho, e alteração dos escalões. São várias medidas no IRS que chegam em 2023. “O IRS tem uma abrangência que é um instrumento que não chega a 50% dos portugueses”, já que metade não declara IRS.

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Medina garantiu que o “Estado devolveu integralmente todo o acréscimo de receita fiscal que teve em 2022”, num total de 8.800 milhões de euros. O ministro das Finanças realça que as metas eram para ser cumpridas, mas “não procuraríamos ir além dos objetivos, mas que os queríamos atingir”, ao nível da dívida e do défice. O Governo esperava um défice de 1,9% mas este ficou nos 0,4%. Medina garante que não era pretensão fazer brilharetes orçamentais e que devolveria aos portugueses o que o Estado ganhasse a mais. “Fomos mais longe”, sustenta Medina, garantindo que “o Estado devolveu tudo o que recebeu”. “Não distribuímos o que não temos”.  E volta a sustentar que a diferença para o défice apurado pelo INE é contabilística. Medina vai dizendo que na defesa, na saúde, por exemplo, foram feitos investimentos como há muitos anos não havia.

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Medina realça a necessidade de continuar a atuar ao nível da dívida, já que os juros estão a subir. E este ano o Estado pagará mais 1.200 milhões de juros face a 2022. Ainda assim Portugal está a financiar-se a níveis mais baixos do que Espanha. O nível da dívida ainda não deixa, no entanto, Medina descansado.

Em relação aos dados de 2021, Portugal, diz Medina, baixou os níveis de pobreza. “Estamos a fazer um enorme esforço em segurar a economia, assegurar este ano níveis elevados de investimento, adequados níveis para que o consumo interno não sofra demasiado, que é essencial para assegurar o emprego e quando definimos apoios estamos a fazer elemento de mitigação dos riscos de pobreza que é muito importante nesta fase”.  Em 2023, Medina vê como essencial o emprego estar a aumentar.

O Governo fala colegialmente em relação aos professores, tomando decisões com recursos dos portugueses. “Já foi feito uma primeira medida, um conjunto de medidas, que vão permitir vinculação de mais 10 mil professores, que tem impacto financeiro importante. Estamos a fazer vinculações”, prefere destacar o ministro das Finanças, para explicar que “estamos agora numa segunda fase em que admite um processo diferenciado relativamente à situação dos professores e aos impactos devido aos congelamentos das carreiras”. O diálogo está a decorrer e Medina diz que espera que cheguem a bom curso.