O governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, acredita que o défice orçamental deste ano não irá ser superior a 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB), fixando-se assim abaixo da meta do Governo de 0,9%, após os resultados de 2022.

Em entrevista à agência Lusa, Mário Centeno salientou esta quarta-feira que a economia portuguesa tem surpreendido, particularmente no ano passado, quer na dimensão nominal, quer na real.

“Não vejo nenhuma razão para que haja uma deterioração do saldo orçamental”, afirmou, quando questionado sobre se o ponto de partida de um défice de 0,4% do PIB em 2022, apesar do impacto de 1.400 milhões de euros na despesa dos apoios para mitigar os custos da energia para as empresas passar para este ano, irá permitir um défice abaixo dos 0,9% previstos para 2023.

O Governo entrega até ao dia 15 de abril o Programa de Estabilidade 2023-2027, no qual poderá atualizar as previsões macroeconómicas.

Mário Centeno destacou que houve uma recuperação muito significativa da atividade em Portugal em termos reais no ano passado, salientando que as previsões apontam para este ano para um crescimento real de 1,8%, caso se mantenham as expectativas em termos de pressões internacionais, como a guerra, a inflação e a estabilidade é mantida.

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“Temos uma economia que está a crescer e que tem um nível de atividade acima do seu nível potencial”, disse.

O responsável do Banco de Portugal (BdP) assinalou “que o emprego está em níveis historicamente elevados“, “a taxa de desemprego que está significativamente abaixo do nível natural de desemprego em lugares que se define historicamente, do ponto de vista estatístico” e os “salários estão a crescer”.

“Todos os números que temos da Segurança Social mostram crescimentos muito significativos dos salários declarados à Segurança Social”, frisou.

O Banco de Portugal (BdP) melhorou, na semana passada, a previsão de crescimento da economia portuguesa deste ano para 1,8%, crescendo 2% em 2024 e em 2025.

Inflação “era e ainda é demasiado alta” e “já pouco temporária”

A inflação já não é vista como um fenómeno temporário, diz Mário Centeno que alertou  para o risco de exposição das economias.

Questionado sobre o aumento das taxas de juro pelo Banco Central Europeu (BCE) e pela Reserva Federal dos Estados Unidos da América por alunos finalistas no concurso Geração Euro, explicou que “era muito importante responder à inflação”, que se encontra num patamar em que “já é pouco temporária”.

O governador do banco central admitiu que o economista Joseph Stiglitz “se calhar tem razão de poder ser violento”, tendo alertado para as circunstâncias em que o aumento dos preços se verificou.

“Nesta parte, se calhar, tem razão de poder ser violento, que é o facto de termos iniciado todo este processo num período em que tínhamos acumulado um conjunto de almofadas financeiras, de poupanças – quer do lado das empresas, quer do lado das famílias -, durante o período da Covid-19 e antes da Covid-19, que hoje estamos a utilizar para dar resposta também ao aumento dos preços”, explicou.

Segundo Centeno, esta, a par da solidez do mercado de trabalho que já sublinhou em várias intervenções, é a principal razão para que hoje o consumo não esteja a cair face às taxas de juro mais elevadas.

Ainda assim, advertiu, é preciso “ter muita cautela”. “Um dia em que ou as almofadas acabem ou o mercado de trabalho tenha uma viragem significativa, isso pode expor-nos bastante”, disse.

Ao mesmo tempo, Mário Centeno registou que a economia “é uma ciência que vive de uma só variável”: o preço. Nesse sentido, apelou para que os preços relativos não devam ser distorcidos.

“Quando nós alteramos os preços relativos estamos a perturbar as regras de decisão das pessoas. Todos nós tomamos decisões com base em preços relativos. Às vezes é entre hoje e amanhã, outras vezes é entre este bem e aquele, ou este serviço e o outro. É sempre o que rege a nossa ação, são os preços”, lembrou o governador do BdP.

E, quando há uma atuação para a estabilização dos preços, há que “também ter cuidado” para não induzir na economia “uma perturbação nestas decisões que as pessoas tomam”.

BCE tem “ingredientes favoráveis” para estabilizar ou parar subidas de juros

Os “ingredientes” que o BCE tem para a reunião de política monetária de maio são “muito favoráveis” a uma estabilização ou, no limite, uma paragem das subidas das taxas de juro, diz Mário Centeno.

O governador do Banco de Portugal (BdP) recordou que a decisão do Conselho de Governadores do Banco Central Europeu (BCE) sobre as taxas de juro na reunião agendada para 4 de maio está em aberto, pois será baseada em dados, mas sublinhou que “gostaria que isso [a estabilização ou a paragem das subidas] acontecesse”.

O BCE aumentou o preço do dinheiro desde julho do ano passado em 350 pontos base para 3,50%, com a última subida, de 50 pontos base, anunciada em 16 de março. Nessa altura, a presidente do banco central da zona euro, Christine Lagarde, disse que as próximas decisões sobre taxas de juro dependem dos dados económicos e financeiros, porque aumentou a incerteza com a tensão nos mercados financeiros.

“Os ingredientes que temos para esta decisão são muito favoráveis a uma estabilização do processo de subida de taxas. E, no limite, porque não, a uma paragem do processo de subida de taxas”, disse hoje Mário Centeno.

“Eu gostaria que isso acontecesse”, referiu, adiantando que, “obviamente, porque é a previsibilidade que estamos a falar há muito tempo, mas que não fosse originada por turbulências no mercado financeiro”.

Em relação aos dados que o BCE irá analisar, Centeno lembrou que o banco central sabia que os dados de janeiro e fevereiro iam ser desafiantes, por razão das muitas atualizações de preços automáticas devido ao calendário.

“Mesmo assim, a inflação caiu mais do que aquilo que nós esperávamos em dezembro, quando tínhamos a última previsão”, explicou.

Centeno sublinhou que com a atualização das previsões do ‘staff’ do BCE anunciadas em março, o banco central tem agora um perfil de inflação ao longo do horizonte muito inferior do que tinha em dezembro.

“E esta é a informação mais importante que temos para tomar decisões em maio. É muito importante que esta previsão seja corroborada pelo número [estimativa rápída da inflação na zona euro em março] que vai sair sexta-feira [31 de março], e depois pelo número que vai sair no final de abril em relação à inflação desse mês”, disse.

O governador do Banco de Portugal recordou que no radar do BCE estão também as expectativas de evolução de preços registadas e, inquéritos feitos às famílias, aos profissionais e às empresas.

“Por exemplo, as famílias são sempre o agente económico mais pessimista face aos preços no futuro, principalmente quando estamos em processos inflacionistas, mas o último ‘survey’ que temos, o último inquérito que temos no início deste ano, mostra que as famílias, no médio prazo, reviram muito bem baixa também elas as expectativas de preços”, acrescentou.

“Se tudo isto se confirmar e se a situação financeira como nós esperávamos permanecer estável, a última coisa que eu gostaria era que mudássemos a política monetária por turbulência nos setores financeiros”, disse.