Um tenista escondido na posição 753 do ranking ATP podia passar facilmente despercebido não tivesse sido descoberto por manipular os resultados de 135 jogos. O marroquino Younes Rachidi foi assim banido para sempre do ténis e multado em 34.000 dólares (os seus ganhos de carreira eram 53.102) em fevereiro. “Este foi o maior número de sempre de ofensas realizadas por um indivíduo a ser detetado”, referiu a Agência Internacional de Integridade no Ténis (ITIA).

Uma lista com o comprimento de mais 84 nomes – entre eles os argelinos Mohamed Hassan e Houria Boukholda, que colaboraram com Rachidi no esquema – pode ser consultada no site da ITIA. À frente de cada um deles está a sanção aplicada pela violação do programa de anti-corrupção no ténis. Na maioria dos casos, a pena é o afastamento da modalidade para o resto da vida. A ITIA foi criada em 2021, sucedendo à Unidade de Integridade no Ténis que nasceu em 2008, e é um organismo legal independente com o poder de sancionar diretamente os jogadores. Até à criação da ITIA, as acusações podiam apenas ser recomendadas, evidenciando uma crescente preocupação com fenómenos que comprometem a integridade do ténis, tais como o match fixing.

Os objetivos do programa de anti-corrupção no ténis são “manter a integridade do ténis, proteger o desporto de quaisquer esforços para impactar indevidamente os resultados de qualquer partida e estabelecer uma regras uniformes e um esquema consistente de execução e sanções aplicável a todos os eventos de ténis profissional e a todos os órgãos diretivos”, como descreve o novo órgão criado há dois anos. No entanto, há um outro problema crescente e cada vez mais denunciado: o assédio através de ameaças após derrotas.

A tentativa de manipulação de resultados através do aliciamento de jogadores com quantias em dinheiro para que percam 0 jogo e beneficiem os apostadores é, como se percebe, um fenómeno cada vez mais presente no ténis mundial. As queixas de João Sousa após a derrota no challenger de Girona em relação a ameaças e insultos dirigidos por pessoas que investem num determinado jogo surgem num contexto mais alargado em que muitos tenistas não resistem ao aliciamento monetário para perderem um jogo – e foi por isso também que o português se juntou ao lote de jogadores que têm vindo a denunciar esse problema.

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“Estou exausto de receber mensagens de apostadores com ameaças e insultos”: o desabafo de João Sousa após derrota no challenger de Girona

De recordar que o próprio Novak Djokovic assumiu que já tinha sido alvo de uma tentativa de corrupção em 2006, quando ainda não tinha atingido os feitos e os recordes que hoje ostenta, com a promessa de receber 200.000 euros caso perdesse um encontro. “Um dia vai haver uma desgraça. Uma pessoa escreveu ‘Cuidado quando saíres de casa, vou estar à tua espera e vou pendurar-te numa árvore’. Perdi um jogo com o [Grigor] Dimitrov no tie break do terceiro set depois de ter estado a ganhar por 6-3 e quando saí do hotel no dia a seguir estava a olhar para todo o lado”, confidenciou Roberto Bautista Agut, que recebeu esta semana um wild card para o Estoril Open. “Todos recebemos assédio das apostas. Recebemos 50 ou 100 ameaças de morte após cada jogo que perdemos. Mensagens horríveis, com todo o ódio e o lado negativo das apostas, mas não recebemos nada da parte positiva”, disse mais recentemente Taylor Fritz, décimo do ranking ATP.

As altas instâncias do ténis têm prestado atenção ao fenómeno e revelam uma preocupação crescente. Um sinal de alerta é um fluxo anormal no volume de apostas de um encontro e as quantias elevadas envolvidas. Nem os tenistas de maior renome escapam às suspeitas: uma investigação da BBC e da Buzzfeed News realizada em 2015 revelou que jogadores do top-50 mundial e vencedores de Grand Slams estiveram envolvidos em jogos combinados, alguns dos quais em Wimbledon.

O tenista Nicolás Kicker foi uma exceção à regra no que diz respeito à sanção que recebeu. O argentino não reportou às autoridades que foi alvo de uma abordagem ilegal e perdeu de propósito dois jogos em 2015, tendo recebido dinheiro para isso. O jogador preparava-se para disputar um torneio em Barranquilla, na Colômbia, quando foi contactado por uma pessoa que se apresentou como um “ávido patrocinador”, conta uma reportagem do Financial Times, que o convenceu a perder o jogo. O caso deu nas vistas, porque Kicker venceu o primeiro set do encontro e verificou-se um forte volume de apostas na sua derrota. Já antes, em Padova, Itália, o argentino tinha perdido propositadamente com Lee Duck-hee.

Ao contrário do que se tem tornado hábito, a ITIA não teve mão pesada. Nicolás Kicker não foi banido para sempre, tendo-lhe sido aplicada uma pena de três anos de fora das competições. Mesmo esse castigo acabou por ser reduzido a quatro meses depois de ter acordado com a ITIA educar outros jogadores sobre corrupção no desporto.