Informação dispersa e “muitas vezes” pouco coerente, muito foco na execução financeira e pouco nos resultados e impactos, ou a existência de diferentes fundos a financiar projetos semelhantes, o que levanta riscos de “duplo financiamento”. São várias as críticas que constam numa análise à monitorização do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) endereçadas pelo think tank português Institute of Public Policy (IPP), que também lança diversas recomendações. Entre elas está o escrutínio técnico e político semestral da UTAO — a unidade técnica que apoia os deputados na AR — e dos grupos parlamentares à “bazuca”.

Num estudo que será divulgado esta quinta-feira, os economistas do IPP João Cortes, Steffen Hoernig e Paulo Trigo Pereira identificam diversas dificuldades à medição dos impactos do PRR. Desde logo, o facto de existirem “diferentes fundos a financiar projetos com semelhantes objetivos de reformas e investimentos”. Olhando para os objetivos do PRR e os do Portugal 2030, apontam para um “risco de duplo financiamento, que viola os princípios do PRR”.

Para que esse risco seja evitado é necessária uma “separação clara daquilo que é financiado pelo PRR e pelos outros fundos“. “Tendo em conta o Plano Nacional de Reformas e as suas grandes áreas de intervenção, deveria haver uma matriz de financiamento que clarificasse os recursos que provêm do PRR e a sua complementaridade com outras fontes de financiamento (PT2020 e PT2030 em particular)”, recomendam.

Outra dificuldade na medição dos impactos do PRR prende-se com a “inexistência de uma verdadeira orçamentação por programas em Portugal”, havendo um foco mais na execução financeira e menos nos resultados. “Objetivos e indicadores estão ausentes da grande maioria dos programas orçamentais”, criticam.

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Por exemplo, a Conta Geral do Estado, o documento com a execução orçamental do Governo, deveria ter “alguns indicadores essenciais do PRR e não só”. Mas na Conta de 2021, “essa informação não consta para a esmagadora maioria dos ministérios, que praticamente coincidem com os programas orçamentais”. Ou seja, na sua maioria (a vermelho), os programas orçamentais apenas têm informação sobre a execução financeira, incluindo as receitas e as despesas públicas. São menos os que (a laranja) têm alguns objetivos e indicadores de resultados não financeiros e apenas um apresenta, na área digital, indicadores de resultados ou de impacto.

“Mais do que criar soluções, é fulcral garantir que as soluções desenvolvidas estão dirigidas para as necessidades das respetivas áreas. O foco quer nos resultados quer no impacto e não apenas na execução financeira é assim fulcral para suprir as verdadeiras necessidades subjacentes ao PRR e para que não se perca de vista a razão de ser do PRR”, defendem.

Autores pedem informação centralizada na Estrutura de Missão

Segundo os autores, a informação digital sobre o PRR está dispersa entre várias fontes e não centralizada, sendo que “muitas vezes” há informação em falta ou incoerente. Olhando para os indicadores de impacto relacionados com a transição digital concluem que há um “número excessivo de indicadores” — foram consultados mais de 600 em diversas fontes.

Pedem, assim, uma “transparência transversal numa fonte única de informação”, que inclua a informação de forma “clara e interligada”, em que as componentes relacionem os desafios com os objetivos, medidas tomadas e resultados. Aliás, uma das oito recomendações passa pela centralização da informação das várias entidades na Estrutura de Missão Recuperar Portugal, de forma a permitir o “escrutínio” da sociedade civil. Os autores propõe mesmo um fluxograma com métricas, por “desafio estrutural”, com os planos e o resultado das ações definidas no PRR.

Além disso, especificamente na área dos serviços públicos, advogam a existência de indicadores que traduzam os graus de satisfação ou insatisfação dos utentes. “Um exemplo de um indicador nesta área – onde poucas métricas existem no PRR – é a percentagem de pensões que são atribuídas dentro do prazo legal. Este exemplo, como outros que poderiam ser elencados destaca mais a eficácia da digitalização na segurança social face aos indicadores meramente associados à digitalização ou financiamento até agora considerados”, afirmam.

Nem tudo é sinal de alarme. Também há pontos positivos como o facto de a Estrutura de Missão ter publicado uma lista com mais de 100 indicadores agrupados em áreas, comparando indicadores e monitorizando resultados. Ou a publicação do relatório da Comissão Nacional de Acompanhamento referente a 2022, em fevereiro.

UTAO e grupos parlamentares deveriam escrutinar PRR semestralmente

Para os economistas, a informação desenvolvida por diversas entidades e disponibilizada pela Estrutura de Missão, idealmente de forma centralizada, deveria ser “escrutinada periodicamente, semestralmente, pela Assembleia da República na sua dupla vertente técnica (UTAO) e política (grupos parlamentares) assegurando transparência, não duplicação e responsabilização na utilização de fundos”.

Além disso, a Conta Geral do Estado deveria ter “obrigatoriamente” em todos os programas orçamentais a execução financeira, mas também objetivos e indicadores de desempenho para “se poder avaliar da prossecução e implementação das políticas setoriais”.

Os autores deixam ainda recomendações à Estrutura de Missão Recuperar Portugal, que deveria “melhorar ativamente o processo de recolha e publicação de dados para uma maior responsabilidade social recolhendo mais informação particularmente nas áreas que permitam melhor mensurar os resultados da digitalização nas finanças públicas e justiça”.