Para Diogo, de 20 anos, ter habitação própria é algo em que pensa “para os próximos anos” — ainda que veja esse cenário cada vez mais longe. É essa realidade, diz, que o levou a participar na manifestação deste sábado. “Estou aqui porque acho que é um direito fundamental ter uma casa para viver”.

A viver ainda em casa dos pais, é um entre milhares de jovens (e não só) que, este sábado, protestaram em Lisboa e em vários outros pontos do país. Queixam-se das rendas altas, do alojamento local, e exigem o fim dos despejos e medidas “concretas” do governo. Muitos trabalham, alguns têm até dois empregos, mas todos são unânimes em dizer que isso não é suficiente.

Confrontos com a polícia marcam final da manif pela habitação em Lisboa

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O protesto, que começou por volta das 15h30 e seguiu em marcha lenta desde a Avenida Almirante Reis até ao Martim Moniz, terminou em violência, com confrontos entre manifestantes e polícia. Antes, tinha decorrido de forma largamente pacífica (com episódios mais ou menos pontuais de vandalismo). O ambiente era de boa disposição, música, cartazes e muitos gritos de ordem, que nem a ameaça permanente da chuva fez abrandar. Nos megafones, as palavras de comando dos líderes da manifestação; nas colunas, a voz de Zeca Afonso: “Eles comem tudo e não deixam nada”.

Sobre o pacote de medidas do Governo, a maioria dos manifestantes mostram-se apreensivos. Ainda que muitos reconheçam a discussão como um passo na direção certa, e o pacote de medidas como um potencial ponto de partida, a esmagadora maioria continua a achar que não são suficientes. “São medidas muito a longo prazo quando são precisas medidas para agora, mais concretas”, afirmou Diogo. Emigrar, no entanto, não é para ele uma hipótese: “Quero cá ficar, e vou lutar para que a situação mude”.

Milhares de pessoas juntaram-se na Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, e desceram até ao Martim Moniz, para se manifestarem pelo direito à habitação e uma vida justa. 1 de Abril de 2023, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Concentração juntou milhares de pessoas na Avenida Almirante Reis

No protesto não havia apenas jovens. Sérgio Naya, de 55 anos, assume que não é “um especialista na matéria”. Designer gráfico de profissão, conta que o trabalho secou nos últimos anos, forçando-o a partilhar casa com três outras pessoas. Paga 400 euros de renda — “só a minha parte”, frisa.

Ainda que admita que fatores externos — a pandemia, a guerra, a inflação — possam ter tido impacto, aponta o dedo aos governantes que, no seu entender, não têm dado prioridade ao assunto. “Não vejo que haja uma preocupação de criar habitação social, por exemplo. Não há qualquer tipo de ajuda. Tenho experiência de viver fora de Portugal — em Espanha — e sei que isso acontece noutros países”.

Além da habitação, as dificuldades económicas foram outro dos temas em foco este sábado. Ivânia Quinta, de 38 anos, contou à Rádio Observador que foi despejada de uma casa ilegal. “Naquele dia os polícias entraram na minha casa, empurraram-me com um bebé nos braços, com outros menores. Diziam-me ‘Dona Ivânia, saia, vai para a rua!’ Eu não queria sair de maneira nenhuma, disse que não ia, não vou aceitar que destruam a minha casa”.

Habitantes do bairro do Talude em Loures tentaram travar demolição das barracas mas não conseguiram

A sua família foi uma das sete despejadas no início do mês de março das habitações ilegais do bairro do Talude, em Loures. Desempregada, com 38 anos e mãe de cinco filhos, incluindo um recém-nascido (com um sexto a caminho), diz não ter alternativa. Atualmente, vive numa pensão. “Não sabemos até quando. A Câmara de Loures e a Segurança Social de Loures dizem que nós é que temos de procurar alternativa”.

As condições para conseguir uma habitação, sublinha, são incomportáveis. “Quando ligamos o senhorio diz que a renda são 1.500 euros, mais duas rendas adiantadas, mais fiador que tem de ser português. É impossível, não temos como alugar uma casa, e eles sabem. Na pensão não estamos a viver, estamos a sobreviver”.

Milhares de pessoas juntaram-se na Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, e desceram até ao Martim Moniz, para se manifestarem pelo direito à habitação e uma vida justa. 1 de Abril de 2023, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O fim dos despejos é uma das principais reivindicações do movimento

De um modo geral, todos se queixam que as condições atuais são insustentáveis. “O direito à privacidade tornou-se um luxo que muitos de nós não podemos pagar, ou então temos de fazer um esforço tremendo para ter o que devia ser um direito básico”, queixou-se à Rádio Observador Gonçalo Mata, de 29 anos. Tem dois trabalhos, e diz que muitas vezes trabalha mais de 16 horas por dia, mas não é suficiente. “Consigo pagar as contas mas não tenho posto nada de parte, não dá para economizar o que quer que seja”.

Gonçalo Mata, que divide casa e paga quase mil euros de renda, sem contar com despesas, estudou fora, e lamenta sobretudo que o Governo não dê prioridade aos que estão cá dentro. “Estou chocado com a descaracterização da cidade. Parece que o governo que temos hoje em dia prefere privilegiar a entrada de pessoas neste país que não estão a contribuir para a economia”.

“Tanta casa sem gente, tanta gente sem casa”. As imagens da manif pelo direito à habitação em Lisboa

Na manifestação, são muitos os que falam em promessas não cumpridas e falta de apoios. O momento também é significativo: durante a pandemia, os despejos pararam e os contratos foram sendo renovados. Mas, segundo Rita Silva, porta-voz do movimento Habita! (um dos vários que organizou a manifestação), isso terminou “Estamos outra vez na loucura total, da especulação e dos preços loucos das casas. Neste momento as pessoas estão realmente com a corda ao pescoço”. No que toca a ações futuras, Rita Silva não revelou o que está planeado, referindo apenas que os vários grupos irão “continuar a lutar e a promover vários tipos de ações”.