Na Semana Santa, celebram-se dois dos episódios mais importantes da Bíblia: a morte de Jesus Cristo no Calvário e a posterior ressurreição do filho de Deus. Ao mencionar-se Jesus, condenado à morte por crucificação pelo romano Pôncio Pilatos, é comum referir-se igualmente dois ladrões que se juntaram ao messias, acabando um deles por entrar no paraíso.

Esta é a crença de milhões de pessoas que celebram o período da Páscoa e a Via Sacra através de um olhar que toma Jesus Cristo como uma figura divina. Uma perspetiva mais histórica pode explicar o contexto em que Yeshua — aquele que será o nome original do filho de Deus — liderou um movimento anti-romano que acabou por condená-lo à morte. Uma teoria apresentada num artigo de opinião de Fernardo Bermejo Rubio, douturado em Filosofia e mestre em Histótia das Religiões, no jornal El País.

Para o investigador, não há razão nenhuma para supor que os mesmos dois homens que foram crucificados com Jesus não sofreram agressões semelhantes às do messias. A identidade de ambos terá sofrido alterações ao longo dos séculos, pelo própria evolução do conceito utilizado para os retratar. Tanto Marcos, o primeiro evangelista, como São Mateus referem-se aos dois homens crucificados como lestai.

O termo não significa “ladrões”, mas sim “bandidos”. A própria palavra “bandido” era utilizada pelo cronista judeu Flávio Josefo (século I Depois de Cristo) e por autores romanos para se referirem, de forma depreciativa, àqueles que se opunham ao domínio imperial de Roma. Além disso, na Palestina, durante este período dominada por Roma, a crucificação era um castigo aplicável apenas a rebeldes políticos, o que permite concluir que os dois homens que pereceram junto de Jesus eram na realidade insurretos e patriotas e não meros ladrões.

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Partindo da premissa de que a crucificação no Calvário foi aplicada a rebeldes anti-romanos, o autor diz que é possível especular sobre qual o verdadeiro papel de Jesus de Nazaré no contexto histórico que originou o cristianismo. A frase escrita na cruz de Jesus, “rei dos judeus”, parece ter um significado não messiânico, mas de líder rebelde.

Algumas passagens do evangelho, defende o autor do artigo publicado no El País, apontam para uma pretensão régia de Jesus, que configurava o crime de subversão ao domínio romano e independência do povo da Palestina. Assim, é fácil de compreender o motivo que teria levado Pôncio Pilatos a condenar os três homens à mesma punição, e no mesmo local. Jesus e os “ladrões” eram na verdade rebeldes contra o domínio romano.

Além da associação à crucificação com os dois homens no Calvário, o investigador diz que outros indícios parecem apoiar a teoria de que Jesus seria um líder rebelde. Em primeiro ligar, a eleição de doze discípulos parece simbolizar a união das 12 tribos de Israel, assim como o desejo de reconstituir o povo judeu. A própria promessa de Jesus aos seus 12 apóstolos de que governariam Israel parece indicar um discurso político-militar e não um discurso religioso.

Outro dos aspectos é aquilo que aparenta ser uma grande hostilidade entre Jesus e Herodes Antipas, este um homem pró-Roma. A oposição ao pagamento de um tributo ao império, uma espécie de imposto, e a ordem dada aos seus discípulos para que adquirissem espadas são outros exemplos da atitude de líder rebelde atribuída a Jesus de Nazaré.

Mas como é que o homem comum, que liderou uma rebelião na Palestina, se torna na principal divindade do mundo Ocidental? Segundo o investigador, são várias as explicações para episódios religiosos como o Domingo de Páscoa. A um processo psicológico de luto experienciado pelos 12 seguidores principais de Jesus junta-se a própria cultura dos povos em torno da bacia do Mediterrâneo — estes acreditavam em conceitos como a ascensão, a preexistência, o nascimento virginal, a imortalidade e a ressurreição como processo de deificação. Todos estes conceitos estavam presentes nas religiões politeístas da época greco-romana .

Aos olhos daqueles cuja fé reside na História e na explicação científica, a existência de uma figura como Jesus Cristo terá passado precisamente por algo mais próximo de um líder político-militar, e não por alguém cuja mãe foi uma virgem grávida. Para aqueles cuja fé está depositada na igreja cristã, no entanto, a Páscoa representa um período que resulta na ressurreição do mais importante homem da História, e, de uma perspetiva ou de outra, é inegável o peso que a figura de Yeshua teve na civilização humana.